segunda-feira, 29 de julho de 2013

No vinho, a verdade

Sim, sim, é verdade, eu aprecio um bom vinho. Em minha vivência de já mais de vinte anos aqui na Serra Gaúcha, aprendi a refinar o paladar para melhor detectar as surpresas sensoriais que afloram do contato com o líquido tutelado por Baco. Fiz cursos de degustação no Vale dos Vinhedos, viajei à França com grupo de jornalistas para visitar algumas cantinas instaladas nas tradicionais regiões viníferas daquele país, consumi literatura especializada, bochechei os mais variados varietais.
Por pouco não me transformei em um enochato. Felizmente, já faz tempo que tirei das costas a obrigação de transformar meu ato de apreciação de um vinho em um rito de iniciado, repleto de observações organolépticas (a própria palavra é intragável) que, a bem da verdade, nublavam com seus conceitos (e pré-conceitos) o simples prazer do usufruir, que percebi só conseguir obter a partir de uma postura mais descompromissada (até porque, cá entre nós, nunca consegui detectar toques de manjericão e de nozes em uma taça de merlot). Essa percepção relativa ao descompromisso da fruição serviu também para ressignificar minha relação com diversos outros aspectos de minha vida, tornando-a um pouco mais dócil, simples e prazerosa.
Dessa forma, sigo sendo, por exemplo, um leitor contumaz, mas minhas leituras não obedecem a nenhum método a não ser aquele ditado pela vontade do momento. Leio por puro deleite e, ao fazê-lo, me informo, cresço e me transformo sem dor. Sigo sendo um viciado em filmes, mas os assisto sem obrigações de nenhuma natureza e deles exijo apenas que sejam competentes na proposta que apresentam: se comédia, quero rir à larga; se terror, quero morrer de medo; se drama, que me suscite reflexões; se desenho animado, que me encante; se água-com-açúcar, que me arranque lágrimas escondidas; se policial, que prendam o bandido; se de ação, que dizimem metade do elenco de apoio; se de suspense, que me surpreenda no final. Só isso e nada mais.

Não preciso dar discurso iniciático frente a uma tacinha de carmenère, não preciso assistir só a filmes-cabeça, posso estar sim a fim de ler um best-seller e de dançar ao som de um bate-estaca. Deixei de cobrar satisfações e coerências de mim mesmo. Resultado: minha balança astral indica o sumiço de uns 300 quilos de sobre meus ombros...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de julho de 2013)

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