quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Um escoteiro exemplar

Muitos vão se surpreender com a revelação, mas adoro acampar! Ah, que delícia essa determinação em abandonar, durante um final de semana inteiro, o conforto aborrecido do lar equipado com as traquitanas mais modernas em termos de eletrodomésticos já inventados pelo homem para facilitar a vida dos seus semelhantes, e poder enfiar-se no meio do mato, junto aos mosquitos, às cobras, aos animais uivantes, às aranhas e escorpiões, passando calor, frio e necessidades!
Como é delicioso levantar antes do raiar do dia para atulhar o carro com os apetrechos da barraca que só nessa hora percebemos não ter sido aberta há mais de meio ano e agora está toda cheia de teias de aranha, mofo, terra e as aranhas elas-próprias. Que desafio instigante para o cérebro e para nossa autoimagem essa tarefa de conseguirmos empilhar toda a bagagem dentro do porta-malas, nos pés dos acompanhantes e na capota, com as caixas de isopor cheias de latinhas de cerveja geladérrimas que estarão mornas ao chegarmos e estupidamente quentes ao abrirmos, mais a carne para o churrasco, os sacos de carvão (para variar, esqueceremos em casa os fósforos e é certo que teremos problemas), os espetos que espetam os pés da Aninha do início ao fim da viagem e a fazem reclamar sem parar, enchendo os nossos ouvidos que estavam mais dispostos a escutar o cantar dos pássaros, o trilar dos grilos, o chilrar dos... das... o que é que chilra mesmo? Enfim, para apreciar os sons da natureza.

Depois dos solavancos divertidos proporcionados pelos buracos da estrada cavada no meio do mato e abandonada há anos, mas que você insistiu em pegar apesar dos protestos de todos os outros que agora batem com as cabeças no capô a cada pulo, enfim chega-se ao local escolhido para o camping, que tão divertido será, longe, bem longe do ar-condicionado da sala, do chuveiro com temperatura de água regulável, do vaso com papel higiênico (”Marcos, você lembrou de trazer o papel higiênico, Marcos? Eu não tinha te falado, Marcos...?”), da geladeira repleta de sorvete e cerveja gelada (ah, que alegria uma cerveja morna e sacudida degustada no breu absoluto do mato porque ninguém sabe acender fogueira sem usar os fósforos que permanecem no aconchego da distante e saudosa casa).
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 12 de fevereiro de 2014)

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