quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Quem é que manda

No último domingo, dia 24 de agosto, o país relembrou os 60 anos da morte do ex-presidente Getúlio Vargas, que tirou a própria vida com um tiro no peito em 1954, comovendo a nação e fazendo história. Carismático e sempre acessível apesar de encarnar o poder no país durante décadas, Vargas imprimia profunda impressão em quem tinha a oportunidade de travar alguma relação com ele. Meu avô materno é uma dessas pessoas.
Como todo o avô que se preze, ele é um contador de “causos” e, entre os de sua preferência, figuram aqueles envolvendo Getúlio Vargas, a quem conheceu pessoalmente por ter sido militar em São Borja naqueles tempos. Ele era sargento do Exército após a queda do Estado Novo, a ditadura de Vargas que desabou em 1945 com o fim da Segunda Guerra Mundial. Deposto do poder pelos novos ventos democráticos, Vargas refugiou-se em sua fazenda no interior de São Borja. Certa feita, meu avô conduzia um batalhão do Exército para treinamento por aquelas redondezas, a cavalo, quando Getúlio, também a cavalo, o encontrou em uma estrada de chão batido. Durante duas horas, cavalgaram lado a lado e conversaram.
Anos depois, em 1951, Getúlio Vargas retornou ao poder como presidente da República eleito democraticamente. São Borja, sua terra natal, preparou-lhe uma recepção, com honras militares. Meu avô, o sargento, integrava o grupo de militares que se perfilavam no salão onde a homenagem acontecia. Quando Getúlio entrou, o comandante deu ordem de “sentido” para que a tropa fosse passada em revista. Ao se aproximar de meu avô, o presidente reconheceu o companheiro de cavalgada e de prosa de anos atrás e, quebrando o protocolo da solenidade militar, estendeu-lhe a mão para cumprimentá-lo. Meu avô respondeu ao cumprimento e ambos sacudiram as mãos.
Na manhã seguinte, ao chegar ao quartel, a discussão entre seus superiores era sobre se ele havia agido certo ao sair da posição de “sentido” para cumprimentar o presidente da República ou se deveria sofrer punição por ter desacatado a ordem do comandante. Meu avô solucionou a questão respondendo que, na hora, teve de agir rápido e ponderou que aquele que lhe estendia a mão para cumprimentar mandava mais do que o comandante que havia dado a ordem de “sentido”.
Fim de discussão e a moral da história (segundo meu avô): é muito importante sempre saber exatamente quem manda, para não correr o risco de cair do cavalo. Ora, pois.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de agosto de 2014)

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