sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Santa realidade, Batman!

O que eu mais gostava no Batman, na minha infância, era o seu cinto de utilidades. Uso o verbo “gostar” no passado não porque Batman deixou de trajar seu cinto de utilidades (“bat-cinto”, não seria isso?), mas pela razão óbvia de que estou desterrado da infância já faz décadas, tendo de pinçar do passado qualquer coisa que se relacione a ela (“um passado cada vez mais longínquo, por sinal”, cochichou alguém aí, do outro lado da página... eu sei, eu percebi...).
O Batman, por sua vez, que já nasceu adulto no final dos anos 1930, enfrenta a passagem dos anos sem o acréscimo de uma ruguinha sequer por trás daquele carnavalesco pijama colante. Vai saber que tipo de creminho milagroso transporta em algum dos compartimentos daquele cinto...
Mas então, o cinto de utilidades do Batman. Pois, me fascinava. A cada nova aventura que eu acompanhava, fosse pelas revistas em quadrinhos da extinta Editora Ebal ou pelos episódios em preto e branco (em Ijuí nos anos 1970, nossa televisão Telefunken só transmitia em branco e preto) do seriado estrelado por Adam West, o herói mascarado orelhudo (sim, a máscara dele tem orelhas pontiagudas, observe... tá, tá, vou parar de esculachar...) sempre recorria ao cinto para sacar dali algum bat-produto surpreendente que lhe era crucial para sair das enrascadas articuladas pelo Coringa, pelo Charada, pela Mulher-Gato (alguém aí suspirou “Michelle Pfeiffer”, por acaso?). Genial! Santa precaução, Batman!
Desligada a televisão ou terminada a leitura do gibi com um arremesso da revistinha ao redor do meu quarto, lá vinha o Marcos, descendo a ladeira da sua própria fantasia, metendo-lhe pau na criatividade e imaginando possuir também um cinto de utilidades repleto de coisaradas de que necessitaria para seu cotidiano de criança (muitas merendinhas Mirabel para comer a qualquer hora da tarde sem ter de atacar a lata de biscoitos na cozinha; gibis de todos os tipos para ler debaixo das árvores do pátio; spray imobilizador do cachorro malvado da vizinha que tem fixação pelos meus calcanhares – o cachorro, não a vizinha –; mertiolate instantâneo para curar esfolamentos no joelho sem causar dor, coisas do gênero).
Mas foi-se a infância e restei-me aqui, décadas mais velho, invejando aquele Batman estacionado em sua maturidade eterna. O vigilante mascarado segue portador de seu inseparável cinto de utilidades. Eu, no mundo real em que agora vivo, atrolho os bolsos ao sair de casa com chaves do apartamento, chaves do carro, talão de cheques, celular, caneta, bloco de anotações, moedas para o parquímetro, cartão de crédito, cartão de débito, cartão do plano de saúde... Um batalhão de utilidades. Todas inúteis para descer a ladeira da imaginação.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de agosto de 2014)

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