quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Sem desgosto

Gosto de agosto. Não compartilho da crença popular que atribui ao oitavo mês do ano a pecha de período aziago, pelo que cunharam e repetem à exaustão a expressão “mês do desgosto”. Eu, com essa minha mania de embrenhar-me pela contramão (sempre a pé, jamais no trânsito), desconcordo do desgosto e gosto de agosto, a meu gosto.
Sim, porque agosto me parece que traz uma espécie de recarga vital de nossas energias psíquicas. A típica correria de início de ano, que no Brasil se inicia com o término do Carnaval, finalmente já passou, as férias foram cumpridas e também já solucionamos o corre-corre da volta às aulas e os presentes da Páscoa e os do Dia das Mães e já fomos a Caravaggio e já sabemos quem venceu o Gauchão, o Brasileirão está encaminhado, Copa do Mundo só daqui a quatro anos e para as Olimpíadas ainda faltam dois (o que, em nossa tendência para deixar tudo para a última hora, ainda é uma eternidade), enfim, a lista de afazeres a fazer começa a ser menor do que a relação dos afazeres já feitos.
Chega agosto e já estamos definitivamente habituados ao novo ano, que de novo não tem mais nada. Já vestimos a camiseta de 2014 e trancafiamos definitivamente 2013 nos cofres da memória. O novo ano ainda se situa a uma distância regulamentar plausível, sem ameaças ao aumento de nossos níveis de ansiedade e se configura como um futuro inexorável, mas ainda distante, em relação ao qual não precisamos dispender maiores energias, a exemplo do prêmio da megassena que seguramente ainda vamos tirar um dia, a aposentadoria, a velhice, a morte, essas coisas todas que o escritor argentino Jorge Luis Borges não hesitaria em classificar como “seres imaginários”.
Mas agosto está aí, estamos nele e ele é bem palpável. É em agosto que nos tornamos irremediavelmente cidadãos do nosso tempo: somos 2014! É agora, por exemplo, que damos aquela paradinha básica para recuperar o fôlego e detectar, na lista de metas elencadas no afã e no embalo do champanhe do Ano-Novo recém-passado, aquelas que definitivamente não é nesse que iremos cumprir.

Agosto está para o calendário do ano assim como os 15 minutos de intervalo estão para a partida de futebol. Com a diferença de que, na vida real, não temos tempo para trocar a camiseta e rever as táticas para chegar ao gol. O gol da vida segue sendo o mesmo e a tática infalível é conhecida de todos: respirar fundo e seguir em frente, que logo, logo, entra setembro...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de agosto de 2014)

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