segunda-feira, 23 de março de 2015

O outono da poetisa

Convido o leitor e a leitora a embarcarem comigo em uma máquina do tempo que vai nos transportar para esta mesma data de 21 de março, porém, 96 anos atrás. A viagem é segura e seremos apenas observadores invisíveis e privilegiados de fatos da vida comum que, ao final, ganharão significado histórico e simbólico, pois concorreram para o surgimento de um mito. Todos a bordo? Vamos lá!
Os instrumentos de nossa máquina do tempo estão ajustados para nos desembarcar aqui na região mesmo, na Criúva de 1919, hoje distrito de Caxias do Sul, mas, naquela época, pertencente ao município de São Francisco de Paula. É domingo e o silêncio típico que envolve o pequeno povoado só é quebrado pelo suave barulho que uma leve brisa provoca ao passar pelas folhas das árvores nesta entrada de outono. Em uma casa na Linha Boqueirão, afastada alguns quilômetros do centro da vila, o final da tarde fica agitado devido aos espasmos finais de uma bela e frágil moça de 26 anos incompletos, que agoniza em seu leito de morte devido à tuberculose que há anos a maltrata. Ela tosse, percebe que está no fim, diz suas palavras finais, morre e entra para a história da literatura caxiense e porto-alegrense. Seu nome é Vivita Cartier.
Dali em diante, os outonos em Criúva não mais veriam a jovem poetisa tuberculosa, que se vestia de branco, a circular pela região costurando de volta nos galhos as folhas das árvores, em um ato simbólico de preservação da vida, essa mesma vida que se esvaía a cada nova tossida a lhe sacudir o peito. Mesmo assim, ela segue sepultada até hoje em Criúva, no cemitério de Pontão, em um túmulo adornado com flores por moradores que se esforçam em manter viva a sua memória. Vivita é patrona da cadeira 11 da Academia Caxiense de Letras e da cadeira 21 da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul. Deixou poemas esparsos em jornais e revistas da época e nunca publicou livro.

Sua vida e a de seus parentes diretos, no entanto, foram repletas de poesia, romance, ação, aventura e tragédia. Elementos que vão se eternizar em livro na biografia que este cronista está escrevendo, a ser publicada em breve. Nossa máquina do tempo nos traz de volta ao outono deste 2015, com a certeza de que a vida se eterniza no cultivo da memória, como folhas caídas recosturadas nos galhos das árvores, como fazia a poetisa. (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de março de 2015)

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