sexta-feira, 13 de maio de 2011

Vácuo nas estantes




É de menino que se torce o pepino, conforme já dizia minha avó, nos meus tempos de menino. Nunca vi, literalmente, ninguém torcer pepino algum. No entanto, o aforismo é um dos mais certeiros e criativos que já escutei, especialmente devido ao infinito grau de aplicabilidade que apresenta, servindo, inclusive, para fins de discussão sobre a importância da literatura na vida e na formação dos cidadãos, como se poderá ver aqui nessa coluna, esta vez.
Fiquei muito impressionado com os dados que li em uma reportagem publicada na imprensa nacional, em março deste ano, a respeito de um levantamento feito pelo do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2010, que envolveu 65 países ao redor do mundo. O objetivo da pesquisa foi detectar o grau de intimidade que os estudantes dos países avaliados demonstram com o objeto livro, e o Brasil, como infelizmente já era de se esperar, conquistou o pior desempenho possível. Os brasileirinhos lideram o ranking quando o assunto é medir a população de livros existentes nas casas em que eles moram. Lideram no quesito “estantes vazias”.
Ou seja, no Brasil, 39,5% das crianças e adolescentes disseram haver, no máximo, uma dezena de títulos em sua residência. Outros 30,4% admitiram que o número não supera os 25. Somente 8,1% convivem com mais de cem obras dentro de casa. São números que revelam a baixíssima intimidade que nossas crianças possuem com o artigo livro em suas moradas. É mais fácil haver aparelhos de televisão, DVDs, bolas de futebol, videogames etc do que livros dentro de casa. E isso por um único e preocupante motivo: seus pais não leem. Seus avós não liam. Seus tios e padrinhos também não leem. Os amiguinhos não leem. Os vizinhos não leem. E o que é pior de tudo: tampouco seus professores leem.
Não há como torcer o pepino se ninguém souber o que é um pepino, e se pepinos não forem levados para casa. Se nem mesmo os professores são leitores (e quando digo “leitores”, refiro-me à leitura sistematizada, contínua e habitual de literatura mesmo, não de livros técnicos), como é que vamos imaginar que pais e alunos o sejam? Ou o seu professor de matemática é leitor de Borges? Tomara que sim, tomara que sim...
Na fria, gélida, longínqua e pequena Islândia, conforme a pesquisa, mais da metade dos estudantes vivem em casas que possuem mais de cem livros em suas estantes. Já os índices brasileiros são piores do que Tunísia, México, Panamá, Quirguistão, Colômbia, Peru, Jordânia e Uruguai, para citar só alguns. Claro que apenas a simples presença de livros na estante não significa nada. Porém, a insistente inexistência de livros nas estantes dos lares brasileiros significa a certeza de que não formaremos gerações de leitores nem que a vaca tussa, ou que a porca torça o rabo, tudo antes de as vacas tossintes irem para o brejo na fazenda desprovida de pepinos torcidos.
Ainda bem que a pesquisa envolvia apenas 65 países. Ficamos na 65ª posição. Espero que não ampliem o leque dos países pesquisados no próximo ano. Mas ninguém precisa se envergonhar de nada. A pesquisa só foi publicada em jornal e por aqui ninguém lê nada mesmo. Problema que não é visto não incomoda, certo? O pepino não nos diz respeito, não é mesmo? E vamos lá, que logo chega nova versão do Playstation....
(Texto publicado na seção "Planeta Livro", da revista Acontece Sul, de Caxias do Sul, edição de maio de 2011)

2 comentários:

Blog da Cris disse...

Uma triste realidade.
Mas não vamos perder as esperanças.
Eu ao menos faç minha parte.
Amo ler e contagio quem está ao meu redor.
Somos pequenas gotas contra um oceano, mas ele não é composto justamente de gotas?

Forte abraço!
Cristina Moschen

marcos fernando kirst disse...

É verdade, Cristina. Com cada um fazendo sua parte, a gente logo povoa esse oceano com eitores... Grato pela leitura e pelo feedback.