(No alto, o cronista cronicando. Abaixo, o maestro maestrando)
É sabido desde sempre que a música eleva a alma. O espírito fica mais leve quando cantamos, e não é por acaso que essa forma de manifestação figura em todas as religiões como um canal para louvar e comunicar-se com o divino, quase no mesmo patamar da oração e da meditação. O poder da fé que eu presenciei no Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio na manhã da última quinta-feira, durante o feriado dedicado à santa, me emocionou justamente por meio da musicalidade que arrebatava a incontável multidão de fiéis que ignoravam o desassossego do tempo para acompanhar a missa celebrada pelo bispo dom Paulo Moretto.
No altar montado ao ar livre defronte ao santuário, grudei meus olhos no coro de quase 40 pessoas posicionadas ao fundo, atrás do bispo e dos sacerdotes que desenvolviam os ritos eucarísticos. Delas emanavam as vozes puxando os cânticos que em seguida eram acompanhados pelos romeiros, inexplicavelmente renovados no fôlego após a longa caminhada de vários quilômetros que grande parte fez ao longo da manhã para unirem-se ali naquele momento devocional. O canto coral é uma manifestação artística que evoca em mim lembranças remotas, dos tempos em que meu pai e meus tios integravam o Coral Municipal de Ijuí, minha cidade natal, e eu, com seis, sete anos de idade, era levado para acompanhar os ensaios nos sábados à tarde. Desde então, conjuntos de vozes humanas cantando sempre me causam uma emoção telúrica incontrolável, remetendo-me aos primórdios de minha própria existência.
Mergulhava eu na fruição desse meu estado particular de graça ali em Caravaggio, ouvindo as palavras do bispo Dom Paulo, quando deparei com uma surpresa. O homem de cabelos grisalhos que esgrimia o ar com gestos bailados, a comandar o andamento do coro, ao virar-se para a plateia, revelou ser ninguém menos do que o mastro Alcides Verza, o mesmo que, quase 40 anos atrás, regia o Coral Municipal de Ijuí, em minha cada vez mais distante infância. Alcides Verza me persegue. Na verdade, quem me persegue é a obra de Alcides Verza. Sou perseguido para o resto de minha vida pelo poder de emocionar a alma que Alcides Verza plantou no barro mais profundo de minha alma, com a regência que faz de vozes humanas, um dos dons divinos que mais me extasiam.
Verza, a pedido do padre Volmir Comparin, Reitor do Santuário, criou o Coral do Santuário de Caravaggio em outubro de 2007, justamente o coro que ele regia ali, na manhã da última quinta-feira. Para a ocasião da missa rezada pelo bispo, o maestro elaborou um repertório de canções que pudessem ser acompanhadas facilmente pelos fiéis, irmanando-os no canto. “Ensaiamos apenas duas vezes antes, pois são cantores muito qualificados. Foi um momento histórico, de muita emoção, em um dos últimos atos oficiais do bispo”, revelou-me mais tarde o maestro, em um agradável reencontro. No currículo, o Coral de Caravaggio já possui um CD gravado (em 2008) e agora prepara outro para as celebrações dos 50 anos do atual santuário, previstas para 2013.
Eu também amansei minha alma naquela manhã de fé em Caravaggio. Mais uma vez, por meio da música. De novo, por herança do Verza. Nunca sabemos o alcance de nossos atos e de nossas obras. Mas não tem dúvida: há algo de divino nisso.
(O jornal Pioneiro convidou a mim e à também colunista Maria Helena Balen – os dois mais recentes Patronos da Feira do Livro de Caxias do Sul – a passarem a manhã do feriado de Caravaggio, 26 de maio, acompanhando a romaria no Santuário em Farroupilha e produzindo uma crônica sobre o que mais chamasse a atenção de cada um. Meu material, publicado na edição de final de semana – 28/29 de maio -, é o que reproduzo abaixo. As fotos são de Juan Barbosa, fotógrafo do Pioneiro)
É sabido desde sempre que a música eleva a alma. O espírito fica mais leve quando cantamos, e não é por acaso que essa forma de manifestação figura em todas as religiões como um canal para louvar e comunicar-se com o divino, quase no mesmo patamar da oração e da meditação. O poder da fé que eu presenciei no Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio na manhã da última quinta-feira, durante o feriado dedicado à santa, me emocionou justamente por meio da musicalidade que arrebatava a incontável multidão de fiéis que ignoravam o desassossego do tempo para acompanhar a missa celebrada pelo bispo dom Paulo Moretto.
No altar montado ao ar livre defronte ao santuário, grudei meus olhos no coro de quase 40 pessoas posicionadas ao fundo, atrás do bispo e dos sacerdotes que desenvolviam os ritos eucarísticos. Delas emanavam as vozes puxando os cânticos que em seguida eram acompanhados pelos romeiros, inexplicavelmente renovados no fôlego após a longa caminhada de vários quilômetros que grande parte fez ao longo da manhã para unirem-se ali naquele momento devocional. O canto coral é uma manifestação artística que evoca em mim lembranças remotas, dos tempos em que meu pai e meus tios integravam o Coral Municipal de Ijuí, minha cidade natal, e eu, com seis, sete anos de idade, era levado para acompanhar os ensaios nos sábados à tarde. Desde então, conjuntos de vozes humanas cantando sempre me causam uma emoção telúrica incontrolável, remetendo-me aos primórdios de minha própria existência.
Mergulhava eu na fruição desse meu estado particular de graça ali em Caravaggio, ouvindo as palavras do bispo Dom Paulo, quando deparei com uma surpresa. O homem de cabelos grisalhos que esgrimia o ar com gestos bailados, a comandar o andamento do coro, ao virar-se para a plateia, revelou ser ninguém menos do que o mastro Alcides Verza, o mesmo que, quase 40 anos atrás, regia o Coral Municipal de Ijuí, em minha cada vez mais distante infância. Alcides Verza me persegue. Na verdade, quem me persegue é a obra de Alcides Verza. Sou perseguido para o resto de minha vida pelo poder de emocionar a alma que Alcides Verza plantou no barro mais profundo de minha alma, com a regência que faz de vozes humanas, um dos dons divinos que mais me extasiam.
Verza, a pedido do padre Volmir Comparin, Reitor do Santuário, criou o Coral do Santuário de Caravaggio em outubro de 2007, justamente o coro que ele regia ali, na manhã da última quinta-feira. Para a ocasião da missa rezada pelo bispo, o maestro elaborou um repertório de canções que pudessem ser acompanhadas facilmente pelos fiéis, irmanando-os no canto. “Ensaiamos apenas duas vezes antes, pois são cantores muito qualificados. Foi um momento histórico, de muita emoção, em um dos últimos atos oficiais do bispo”, revelou-me mais tarde o maestro, em um agradável reencontro. No currículo, o Coral de Caravaggio já possui um CD gravado (em 2008) e agora prepara outro para as celebrações dos 50 anos do atual santuário, previstas para 2013.
Eu também amansei minha alma naquela manhã de fé em Caravaggio. Mais uma vez, por meio da música. De novo, por herança do Verza. Nunca sabemos o alcance de nossos atos e de nossas obras. Mas não tem dúvida: há algo de divino nisso.
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