Tenho uma leve desconfiança de que alguns dos sacos de lixo produzidos aqui em casa estão entre os mais faceiros de Caxias do Sul. Isso se explica pelo fato de que não é raro eles serem levados para passear por vários pontos da cidade, esquecidos no porta-malas do carro, quando deveriam ter sido somente transportados até cinco quadras adiante e despachados nos coletores seletivos públicos ali instalados.
A mente atopetada de pensamentos que transitam pelos compromissos a serem cumpridos assim que a chave faz o motor do veículo girar acaba esquecendo frequentemente dos passageiros detritais recém colocados no bagageiro e me faz rumar direto para o centro da cidade ou para outros bairros no atendimento a reuniões de trabalho, entrevistas, pesquisas e demais atividades. E lá seguem junto os saquinhos repletos de descartes, pulando alegremente a cada solavanco proporcionado por quebra-molas, eventuais buracos, freadas e arrancadas.
Poderia até imaginar a algazarra deles circulando pelas ruas da cidade, gargalhando a cada nova arrancada e fazendo piruetas no claustrofóbico espaço do porta-malas durante a rodagem pelas perimetrais. Dia desses só fui me dar por conta de que os havia esquecido ali quando sua presença foi denunciada pelo trabalho atento de meu nariz, que reconheceu dentro do veículo o aroma da sobra do macarrão almoçado no dia anterior. Descartei-os em uma lixeira em Farroupilha, os mais viajados de todos.
Nada disso se compara ao episódio provocado pela distração de uma ex-colega minha de jornal, que, certa feita, ainda estudante de jornalismo, saiu de casa apressadamente para pegar o ônibus e ir para a universidade levando consigo o saquinho de lixo que deveria ter sido descartado na lixeira da esquina do prédio onde morava. Deu-se conta de que transportava o repelente volume consigo só quando ergueu o braço para se segurar no corrimão do ônibus lotado, já em movimento, e encarou o saquinho face a face, ali, feliz da vida, agarrado à sua mão e indo para o campus com ela. Nessa sociedade de consumo e do descarte, não são todos que conseguem se livrar fácil do lixo que produzem. E isso que, por enquanto, nem estou sendo metafórico...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de outubro de 2011)
Um comentário:
Haha! Mas que barato! Levar lixo para passear... já pensou se isto fosse obrigatório? Tipo... uma convivência forçada com aquilo que descartamos para dar mais (ou mnos!) valor às coisas e ao consumo? Poutz...
Depois destes texto, vou começar a prestar maior atenção na hora de jogar os sacos no contêiner: se ouvir risadas lá dentro, pode ser que venham dum lixo circulante...
(até valeria outra piadinha, mas aí mete o dedo na ferida da "vulnerabilidade social" e não estou afim de criar inimizades por aqui.)
J.Cataclism
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