Parentes de além-mar me dão notícia da existência de um primo distante residente em Sintra (distante, pois, nos dois sentidos), proprietário de uma fábrica de móveis antigos. Vende ele, portanto, aos patrícios lusitanos, mobília velha novinha em folha, recém saída dos tornos, com cheirinho de cedro recém abatido. Imagino poltronas lascadas, descascadas, com silhuetas fora de moda, sendo produzidas em série e comercializadas como provenientes de nobres famílias decadentes que há décadas tiveram de se desfazer de seu patrimônio para saldar as dívidas acumuladas pelos anos de opulência e desregramento social. Ora, pois, fábrica de móveis antigos... Estranho, no mínimo, não?
Isso me fez lembrar de um tio-avô que vivia em minha longínqua (porém um pouco mais “pertínqua”) Ijuí natal e que possuía, no centro da cidade, uma lojinha de secos e molhados voltada aos habitantes das colônias circundantes, intitulada “Casa das Essências”. Entre os frascos de ácido acético para fazer vinagre em casa, saquinhos de ácido bórico para produzir veneno contra baratas, lúpulo e cevada para fabricar cerveja caseira e pozinhos para fazer sorvete no freezer da mãe, ele comercializava um artigo que fazia a família olhar de soslaio e torcer o nariz: bisnagas de essência de mel de abelha. E dava de graça a receita ao cliente: uma bisnaga daquelas derramada em um balde de tantos litros de água mais não sei quantos quilos de açúcar e tanáááááá! Você obtinha não sei quantos quilos de mel puro e fresquinho! Meu tio-avô tinha, assim, a capacidade de ensinar os colonos ijuienses a se transformarem em abelhas... e a ludibriarem seus clientes nas vizinhanças de Santo Ângelo, Cruz Alta, Catuípe e outras proximidades.
Ainda não descobri qual o ente familiar que une esse meu tio-avô com o tal primo distante residente em Sintra. Espero que seja bem longínquo mesmo. E rezo para que a propensão não integre a carga genética da família, uma vez que eu, por ora, apenas ludibrio telas em branco de computador por meio dessas semanais maltraçadas linhas virtuais...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de outubro de 2011)
Um comentário:
Ah, essas heranças avoengas relatadas me reportaram para as minhas.
Engraçado que quando temos a chance de nos aproximarmos de relatos de estereótipos familiares, a maioria localizando-se de forma nada “pertínqua” (apropriadíssimo o trocadilho que recai num neologismo e tanto!!), e percebermos o quanto determinadas características próprias são semelhantes, inclusive aquelas consideradas como “estranhezas” ou “excentricidades” pela maioria dos entes com os quais coabitamos.
E tais características herdadas, e muitas vezes totalmente desconhecidas, nos possibilitam uma gama interessantíssima de pensares e analogias, como o desabafo lírico que finaliza a crônica: “E rezo para que a propensão não integre a carga genética da família, uma vez que eu, por ora, apenas ludibrio telas em branco de computador por meio dessas semanais maltraçadas linhas virtuais...”.
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