Nós, jornalistas, aprendemos cedo, nas aulas de jornalismo, que não existe verdade absoluta, apesar de a busca pela fidelidade dos fatos ser o dever primordial e incansável de nossa profissão, semelhante à sina dos cavaleiros andantes em suas jornadas à procura do Santo Graal. Como bem sabemos os que lemos as lendas arturianas, encontrar de fato o cálice sagrado é o ponto menos importante da jornada. O processo de transformação do cavaleiro se dá justamente durante o transcorrer da busca, quando, ao enfrentar perigos, ocorre o fenômeno do autoconhecimento e o consequente amadurecimento do personagem, que seria, em última instância, simbolicamente, a conquista do Graal.
Nós, jornalistas andantes, temos ciência de que não existem verdades absolutas, mas, sim, versões dessas verdades, narradas a partir da ótica de cada testemunha. Tenho um exemplo claro e vívido da veracidade desse axioma sempre que me ponho a assistir a uma partida de futebol sentado no sofá da sala de casa, ao lado de minha esposa. Somos apenas duas pessoas compartilhando o mesmo ambiente (o gato não conta aqui, pelo bem da credibilidade jornalística), mas assistimos a partidas diferentes.
Terça-feira à noite o fenômeno se repetiu, durante o amistoso da Seleção Brasileira contra o México. Arrepiei-me de susto quando, no segundo tempo, um atacante mexicano atentou contra nossa meta e um valoroso cruzado amarelo de nossa zaga cabeceou o arredondado Graal para a linha de fundo, sobre o travessão. Suspirei de alívio, enquanto minha mulher se torcia de raiva ao meu lado, exclamando: “Droga, ele cabeceou mal e botou para fora”! Mirei-a, aparvalhado, até perceber que, enquanto eu via o México atacando e nós defendendo bravamente, ela testemunhava outra situação: imaginava que quem atacava era o Brasil, e o zagueiro defensor salvador da pátria se transformava, aos olhos dela, em um incompetente atacante que cabeceara para fora. Ela havia confundido os lados do campo.
Quantas vezes em nossas vidas, ao acelerarmos nossos prejulgamentos e preconceitos de plantão, não estamos nos colocando no campo inverso de uma situação? É quando corremos o risco de botar bola fora ou de cometer gol contra.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de outubro de 2011)
Um comentário:
“(...) não existem verdades absolutas, mas, sim, versões dessas verdades, narradas a partir da ótica de cada testemunha.”
É reconfortante ler tal afirmação ainda mais proveniente de alguém com um intelecto avançado, pois nunca esqueço-me de um crente na rua me enchendo de impropérios quando eu invoquei a ideia de que a verdade é subjetiva. Ele insistia que a versão dele era a única, a original, já que deus não poderia ser contrariado.
Contrariados ficamos ambos, pois eu segui meu caminho pensando em verdades meramente relativas e ele provavelmente atacou outros transeuntes para pregar sua única verdade incontestável, a qual contestei e fui fuzilado por palavras de fé regadas por um dogmatismo pilantra e por um maniqueísmo pra lá de assustador.
Não sou contra religiosos, sou contra a uma tal Dona Hipocrisia.
Como sempre, as crônicas do recanto das Futilidades Literais me fazem trazer a tona reminiscências diversas.
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