quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Eu, menina (!?)


Comentei aqui ontem sobre os esforços bem-intencionados de meus pais, na década de 1970, quando eu era criança, para me proporcionar entretenimento saudável no verão, inscrevendo-me compulsoriamente no programa de colônia de férias oferecido pela milicada do Quartel em minha cidade natal, Ijuí. A julgar pelo tom do texto e pelas entrelinhas, os leitores puderam perceber, sem maiores esforços, que minha relação com aquele tipo de atividade ao ar livre, sob o comando de trombetas e de ordem unida, não era das mais harmoniosas.
Recebi diversos e-mails de leitores e leitoras se solidarizando com meu relato, eles próprios revelando terem também vivenciado experiências similares em suas infâncias (o que, de passagem, denunciava também suas idades). Só tem uma coisa que aconteceu comigo, e que eu não contei ontem, que supera as eventuais más experiências que qualquer um tenha tido com as tais colônias de férias dos anos 1970 realizadas em quartéis.
Foi logo na chegada, no primeiro dia. As Kombis verde-oliva que arrebanhavam a gurizada pela cidade foram despejando meninos e meninas pelo pátio do Quartel, de manhã bem cedinho, e lá saltei eu, oito ou nove anos de idade, cabelinho bem branquinho e cheinho, chapéu de palha na cabeça, calção, tênis e a mochilinha.
Ao saltar, recebi de imediato uma ordem (a primeira delas): “Você, vai para lá!”. Sendo que “lá”, conforme indicava a direção do dedo apontado do milico, significava uma formação organizada de umas dez filas de... meninas! Habituado a obedecer ordens desde cedo, não titubeei e dirigi-me para “lá”, onde uma professorinha me inseriu no grupo, eu de mãos dadas com as demais menininhas. Nem me passou pela cabeça que milico e professora haviam me confundido com uma menina. Fiquei lá, parado, quieto, escutando os risos dos meninos nas fileiras de trás, até que as meninas a meu lado chamaram a professorinha dizendo: “Tia, tia, ele não é menina, ele é menino”.

A mulher veio, me olhou atentamente, convenceu-se do fato e me realocou de fila, junto aos meninos que iniciavam sua colônia de férias rindo à larga... às custas de meu vermelhidão nas faces, esse que me acompanha até hoje mesmo que não tenha passado nem perto de um copo de vinho. Foi bullying não intencional. Depois, tornei-me um perigoso serial killer, mas acho que isso já pode ser fruto de minha imaginação...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de fevereiro de 2014)

Um comentário:

Rafaela disse...

Devia ser um menininho superbonitinho! :)