terça-feira, 26 de maio de 2015

Dar e receber

Saber presentear é uma arte humana sutil, delicada e complexa. Requer uma conjunção de atributos raros de confluírem em uma mesma personalidade, daí a razão pela qual se configura em habilidade incomum, desempenhada com excelência por poucos. Para presentear bem, é preciso exercitar a capacidade de desindividualização do indivíduo, de colocar-se na pele, na mente e no mundo do outro ser, aquele que será presenteado. Não é fácil.
É preciso sublimar a tendência egoística que tradicionalmente os seres humanos possuem, de medir o mundo a partir da régua de suas próprias verdades, e enxergar a vida a partir dos olhos do outro. O que você gosta, aprecia, valoriza, nem sempre casa com os gostos da pessoa a ser presenteada, e presentear não significa impor preferências, mas, sim, valorizar justamente a diferença que torna aquele ser especial, único. Saber fazer isso é uma preciosidade. Nem todos sabem.
Eu, por exemplo, não sei. Sou um péssimo presenteador. Adoro a música dos Beatles, por exemplo, e sou capaz de presentear um Cd da banda britânica a um adolescente nascido neste século 21 (que já acumula 15 anos de vigência), correndo o risco de receber em troca um olhar espantado que, traduzido, significaria algo como “mas de onde é que esse tio dinossauro cavou essa coisa?”.  Diferentemente de minha esposa, que desempenha com perfeição a arte de presentear, sabendo doar o melhor de sua essência na materialização de mimos e lembranças personalizados, ao gosto do presenteado, causando sempre sensação, gerando sorrisos, alegria, aconchego. Ponto para ela e sorte minha.

Penso nisso nesse feriado de Nossa Senhora de Caravaggio, data religiosa que motiva multidões a se dirigirem em romaria até o santuário dedicado à santa, em Farroupilha, a fim de agradecerem as graças alcançadas. Mais importante do que pedir um presente específico, é saber agradecer a um bem recebido (melhor ainda quando sequer foi solicitado). Feliz de quem sabe reconhecer e valorizar um ato de doação, seja ele divino, humano, alheio, pessoal ou inesperadamente impessoal. Se saber presentear é uma arte, saber receber e agradecer se configura em ato tão essencialmente humano quanto o primeiro. Sorte de quem sabe exercitá-lo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de maio de 2015)

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