sexta-feira, 22 de maio de 2015

O mais triste dos contos

Dia desses terminei de ler uma coletânea de contos do escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904), um dos autores universais que melhor soube retratar a essência da alma humana a partir de um estilo direto de escrita, desprovido de enfeites. Curto e certeiro, poder-se-ia dizer, e digo-o, então. Deparei-me ali, naquelas páginas, em meio às três dezenas de breves histórias selecionadas, com aquele que se configurou aos meus olhos como o mais triste conto que eu já li em minha vida. Não porque a história seja triste em si (e ela o é, de fato), mas devido à sensação de profunda tristeza que causou em mim.
Trata-se de uma historinha curtíssima, de apenas três páginas, intitulada “Pamonha”, na qual certo senhor abastado decide chamar ao seu escritório a governanta da casa, a fim de acertar com ela as contas após dois meses de trabalho. Tímida e assustada, a mocinha entra nos domínios do patrão e põe-se a escutar o homem elencar uma lista de motivos inverossímeis pelos quais vai descontando aviltantemente os valores que lhe deveria pagar. Para começo de conversa, ele parte de uma soma inferior ao que havia sido anteriormente combinado para ser paga por mês, e vai inventando descontos, frente aos quais ela quase nada retruca, encolhendo-se na cadeira, sumindo diante da tremenda injustiça que as páginas escancaram.
“No dia dez de janeiro, a senhora levou emprestados de mim dez rublos...”, segue o facínora, subtraindo e subtraindo. “Eu não levei”, murmura a governanta. “Mas está anotado aqui!”, retruca o patrão. “Está bem, seja...”, conforma-se ela mais uma vez, e a angústia da explorada encontra eco na raiva que vai possuindo o leitor, tão impotente do lado de cá das páginas quanto a indefesa personagem de papel. Ao final, o pagamento que deveria ser de 80 rublos resume-se a míseros 11. E ela os aceita.

É quando então o patrão indigna-se contra a passividade da empregada frente à exploração a que estava por ele sendo submetida, e revela ter aquilo tudo não passado de um truque: na verdade, ele paga-lhe direitinho os 80 rublos e manda-a embora, com o conselho de que “não seja mais tão pamonha”. Afinal, conclui o personagem, “é fácil ser forte neste mundo!”. Fácil explorar e fácil deixar-se explorar. Triste e verdadeiro mundo, tão bem traduzido por Tchekhov.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de maio de 2015)

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