segunda-feira, 31 de agosto de 2015

À sombra do vulcão

A tecnologia evolui com uma rapidez insana, desde que o homem aprendeu a friccionar dois gravetos e deles extrair faíscas com as quais produziu a primeira fogueira da pré-história da humanidade. Chamava-se Ugh, parece, o grande inventor. Ou Agh, conforme outras correntes científicas, mas talvez tudo não passe de leves diferenças de pronúncia, já que naquela época, apesar do fogo, ainda não fora inventado o bloquinho para anotações.
Mas certamente não foi fácil passar o conhecimento da nova técnica adiante. Não há registros, claro, mas é possível imaginar quantos outros humanos ao redor daquele vulcão queimaram os dedos tentando repetir a revolucionária experiência de Ugh (para outros, Agh). Esperto mesmo foi Igha, esposa da Ugh (Agh), que afanou um gravetinho incandescente da fogueira original e com ele gerou outro fogo, mais adiante, dentro da caverna, provando desde então a superioridade feminina sobre a masculina no quesito do uso do cérebro.
Mas, independentemente do invento em questão, o fato é que transmitir conhecimento adiante não é uma tarefa simples. Que o diga aquele meu amigo conhecido como Argentino, que há tempos não aparecia citado aqui nestas sempre mal-digitadas entrelinhas. Argentino tem um tio que mora no interior da Província de Misiones, fronteiriça à região noroeste do Rio Grande do Sul, que não se desfaz de maneira nenhuma de seu antigo computador. A máquina tem mais de 15 anos, está obsoleta, o visor ainda é verde, a CPU parece uma Torre de Babel de tão grande, mas ele não larga o trombolho.

Não só não larga, como carrega a tralha consigo quando sai em viagem para visitar o sobrinho aqui em Caxias do Sul, ou quando decide veranear no litoral gaúcho em Torres ou Capão da Canoa. Leva tudo junto, ocupando todo o espaço do banco traseiro de seu Peugeot amarelo, ano 1977. Fixação platônica pela máquina? Amor à tecnologia vintage? Sovinice militante? Não, nada disso. É porque, conforme ele mesmo explica ao meu amigo Argentino, o e-mail dele está ali dentro daquela máquina, e ele não pode viajar sem conferir os e-mails. Ele não consegue se imaginar abrindo seu correio eletrônico em nenhuma outra máquina, senão a sua. Como, senhora? Já contei isso antes? Ah, então desculpe, esqueci de atualizar minha página de temas para crônica. E se non é vero, ao menos, dessa vez, foi melhor trovato.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 31 de agosto de 2015)

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