segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Magia contra a birra

Todos sabemos que uma simples ida ao circo é ato que resgata a criança que vive adormecida dentro da gente e age com um poder terapêutico psíquico poderoso similar ao de um divã. Sim, eu sei, ninguém precisa se botar a ler as linhas de um banal cronista mundano para receber obviedades como “o circo desperta a criança adormecida em nós”, como dito acima por este que vos digita, mas não ficaremos nisso, prometo, não desista tão cedo.
Em mim, a criança já começou a se manifestar ainda nos dias que antecederam o último sábado à noite, quando fomos, então ao circo. Isso porque a programação foi-me informada por minha esposa lá pela metade da semana, quando ela, de posse de vários ingressos, anunciou: “sábado à noite, iremos ao circo”. Eu disse que não queria, e fez-se a birra em pacote completo, exatamente igual ao Marquinhos de décadas atrás, com sobrancelhas arqueadas, beiço desenrolado em cascata, cara de burro, cabeça abaixada, bochechas infladas, braços cruzados, pezinho batendo: “num quéio!”. Eu não queria ir ao circo. Desfiz a teima quando soube que meu afilhado de três anos de idade iria junto. Sabe como é, nós, crianças, ficamos alegres frente à perspectiva de nos reencontrarmos, e fomos, então, sábado à noite, ao circo.
Resultado? Diverti-me tanto quanto na infância, desautorizando a teima inicial, como costuma acontecer com qualquer criança birrenta na maioria das ocasiões em que se bota a fazer birra. Isso porque caiu por terra o motivo que me induzia a não querer ir a circo, já que, hoje em dia, esses espetáculos não podem mais apresentar animais selvagens amestrados (com o que adultamente concordo), nem o globo da morte com suas motocicletas envenenadas e barulhentas (idem). “Num queio saber de circo moderno”, batia o pé a birrenta criança grande, antes de ir. E que deslumbre de espetáculo pode ser um circo moderno como esse que minha esposa, meus cunhados e meu afilhado me levaram para assistir no sábado à noite! A criança grande adorou!

O que diferencia uma criança pequena de uma criança que cresce, no fim das contas, é sua capacidade de domar as birras e vencer os preconceitos que tentam morar dentro dela. Claro que uma postura assim não se constrói em um passe de mágica, mas, em sendo conquistada, tem o poder de operar magias dignas de picadeiros. Abracadabra!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de agosto de 2015)

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