terça-feira, 18 de agosto de 2015

Talento centenário

A memória é uma ferramenta complexa, versátil e multifacetada, cuja função principal é ordenar um escopo de fatos e sensações únicas que, reunidos, configuram a essência de nossas personalidades individuais (até parece que o mundano cronista botou-se a ler livros de filosofia, da noite para o dia, mas não o fez, ao menos, não que ele lembre, o que comprova que a memória, mesmo sendo tudo aquilo ali em cima descrito, também pode ser falha). Recordações podem ser despertadas do leito em que repousam em sono profundo a partir de um odor, a partir da repetição de determinado gesto, a partir de uma melodia, de um déjà vu, do dobrar uma esquina, do mergulho em um álbum de fotografias, enfim, vários são os mecanismos capazes de evocar lembranças e torná-las de novo presentes e significativas em nossas vidas.
Eu sou dado a déjà vus e a súbitos ataques de lembranças, uma vez que minha alma é temperada com altas doses de nostalgia e fortes pitadas de melancolia. Não são poucas as vezes em que me vejo enredado em profundos resgates da memória, tanto pessoal quanto geral, e é por isso que me são tão significativas as datas, como já deve ter percebido aquela abnegada parcela de leitores que insistem em continuar lendo aquilo que aqui neste espaço venho deixando impresso. Dessa forma, fazendo jus ao que sou, não poderia deixar passar em branco a data de 18 de agosto de 2015, centenário de nascimento de Aldo Locatelli, o pintor italiano que veio deixar a marca de seu talento artístico em tantos monumentos religiosos e civis no Brasil, em especial no Rio Grande do Sul e na Caxias do Sul em que vivemos.

Eu não me lembro exatamente da primeira vez em que botei os pés dentro da Igreja de São Pelegrino, mas certamente foi em algum momento no segundo semestre de 1992, quando me mudei de mala e cuia para Caxias do Sul. O que lembro com vivacidade é da profunda emoção que me invadiu quando me deparei pela primeira vez com as telas de sua Via Sacra e com as pinturas que ele produziu em todo o ambiente da igreja. Emoção que segue viva a cada vez que retorno ao templo, uma vez que a arte legada por um artista como ele (que morreu em 1962) sobrevive à sua passagem e renova a chama da vida em todas as pessoas, a partir da contemplação do Belo. Um privilégio caxiense!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de agosto de 2015)

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