quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Desagravo aos ídolos

Um ataque desferido à honra, à imagem, à memória e ao talento de nossos ídolos exerce um poder devastador dentro de nossas almas igual, ou talvez até superior, a um ataque lançado diretamente contra nós mesmos. Isso porque uma agressão, uma calúnia, uma ofensa, uma injúria, um perjúrio, uma difamação, uma ignomínia, uma infâmia, uma deslealdade, uma traição, uma ofensa, uma mentira, a gente tira de letra e parte direto ao contra-ataque, às vezes na mesma intensidade, ou, em vezes mais raras (porque daí depende de maturidade), opta-se pelo mais sepulcral silêncio, deixando as pedras repicarem no vazio, ecoando na baixeza das almas de quem ataca.
Mas não, não sofri nenhum ataque, apresso-me logo em esclarecer para não deixar dúvidas, e se estou esclarecendo é porque obviamente desejo eliminar eventuais dúvidas, que é o que costumeiramente se pretende quando se esclarece, só para deixar tudo bem claro. E tampouco nenhum de meus ídolos andou sofrendo injustos ataques ultimamente, ao menos, não que me tenha chegado ao conhecimento, impossível monitorar tudo, afinal, meus ídolos são muitos, de nacionalidades variadas, alguns vivos, outros mortos, e pertencentes a esferas diversas da atuação humana. “Mas, então, o que é que há, velhinho?” - pergunta-me (e pergunta-se) o estimado leitor, a querida leitora.

O que há é que vezes há em que fico aqui, no silêncio dos turbilhões internos de minha mente, remoendo ataques antigos desferidos contra ídolos meus sem que eu estivesse lá para defendê-los, e ponho-me a contra-argumentar mentalmente, fazendo terra arrasada das pequenezas que tentaram apequenar a grandeza desses grandes. “As obras de Shakespeare não foram escritas por ele”? Ora, pois, essa agora... “Rubem Braga, Sérgio Porto e outros cronistas legaram uma literatura menor”? Ah, francamente! “A música dos Beatles é banal”? Aham, me poupem... Atacar meus ídolos é atacar a mim mesmo. Defendê-los é obrigação minha, mesmo que em discurso mental, a fim de resguardar minha própria essência e plenificar aquilo que sou frente a meus próprios olhos. Não mexam com minha turma, que parto para o discurso mental. Dentro de mim, meus ídolos repousam plenamente justificados.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de agosto de 2015)

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