terça-feira, 25 de agosto de 2015

Da razão das metáforas

Tenho, cá para mim, que uma das maiores invenções da humanidade, derivada do aprimoramento e do refinamento do espírito humano, é a metáfora. Sim, eu sei, existem outras invenções práticas também muito importantes que poderiam ser elencadas aqui, neste espaço privilegiado, como a aspirina, que alivia dores da cabeça ao cotovelo; a anestesia, que poupa dentistas de terem de correr quadras e quadras atrás de pacientes pusilânimes; o controle-remoto da tevê, que exercita a paciência de nossos cônjuges; a polenta, que pode ser plantada em qualquer tipo de solo e requer manejo mínimo para vingar, florescer forte e viçosa e aliviar a fome intermitente que assola os habitantes de regiões como essa nossa; o liquidificador, o lençol térmico, o leite condensado, o radiorrelógio, o corretor automático de testo, digo, de texto (estava esquecendo de aplicar o dito-cujo) e tantas outras que mereceriam, sim, uma longa, inspirada e laudatória crônica, mas hoje falaremos de metáforas.
Falaremos de metáforas porque elas vão representar aqui, nestas mal-digitadas linhas, o valor das invenções intangíveis, aquelas criações da mente humana que operam dentro dos limites ilimitados do espírito humano, diferentemente das invenções tangíveis e práticas que revolucionam o ato físico de viver, como a luz elétrica, o cotonete, o automóvel e as lombadas eletrônicas, só para citar algumas. As metáforas têm o poder e a função de ampliar, sem quaisquer amarras, a capacidade de compreensão humana da existência, de tudo aquilo que envolve, cerca e define o ato de existir, de observar a existência e de protagonizá-la. As metáforas conferem asas metafóricas (vejam, um pleonasmo!), libertam os grilhões que afundam nossos pés no cimento urbano, subjugam as âncoras que teimam em afundar na aridez da realidade e permitem o rompimento dos limites da significação da vida.
As metáforas são as parteiras das parábolas, das fábulas, dos mitos, dos ditados populares, das piadas, das comparações, das entrelinhas, dos subtextos, dos subentendidos, do humor, da ironia, das artes e da criatividade. As metáforas nos permitem cheirar com os olhos, escutar com os dedos, olhar com a alma, sorrir com os ombros, tocar com os ouvidos, entender com o coração, falar com o silêncio, dizer desdizendo, subentender o não-dito e inebriar-se de estética.

Só não me perguntem o que eu quis dizer com isso tudo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de agosto de 2015)

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