sexta-feira, 22 de julho de 2016

Em Plutão, crem não há

Depois do sagu, que andam querendo pela aí que eu deguste quente, recém saído da panela e tirado de cima da chapa do fogão a lenha para os potinhos de sobremesa, coisa que resisto em fazer porque venho de Plutão (que alguns afirmam não ser nem planeta) e prefiro comê-lo gelado (heresia gustativa imperdoável aos olhos de uvanovenses e arredores), agora querem que eu me deixe seduzir pelos encantos do crem. “Querem”, nesse caso, refere-se às intenções da senhora minha esposa, notória apreciadora dessa especiaria típica dessas plagas serranas e que tanto foge aos limites de meus sabidamente curtos poderes de compreensão.
Que é o crem? De onde vem? Onde nasce? Crem o produz? Por que comê-lo? Como comê-lo? Quando? Com crem? Com o quê? A qualquer hora do dia? Faz mal antes de dormir? Possui poderes curativos e/ou preventivos? Surgiu antes ou depois do sagu quente? Quem não come crem, é ruim da cabeça e bom sujeito não é? Não sou um bom sujeito? Sim, porque, além de evitar sagu quente, ainda por cima eu também não como crem! Torço o nariz sempre que a senhora minha esposa brilha os olhinhos ao espichar uma colherada de crem sobre um (até então) lindo e saboroso naco de churrasco. Também diz ser um ótimo acompanhante para sopas, caldos e cremes. Afirma que deixa delicioso tanto um prato de sopa de agnoline quanto um de capeletti.
Sempre que pode, ela surge (nem imagino de onde) com um pote entupido até a boca com crem, que guardará na geladeira e devorará todo sozinha, apesar dos insistentes apelos para que eu a acompanhe nessa orgia de sabores que afirma apreciar. Ah, pobre cavaleira solitária empunhando bandeira vencida contra as paredes do velho e tosco moinho de vento. O velho e tosco moinho de vento, no caso, sou eu, madama, como a senhora muito bem já percebeu. Pois que não adianta, não como crem. Não como, mesmo sabendo que trata-se de uma espécie de raiz forte, um tubérculo tipo mandioca, que é ralado e imerso em vinagre para conservação. Mesmo assim, não como.

Alguém, eu sei, vai me perguntar se pelo menos alguma vez eu já experimentei o crem. E responderei que já, sim, mas consegui me desamarrar logo depois e escapei antes que viessem com a sobremesa de sagu quente. E não é que eu seja chato e manhoso para comer, não, senhora. Sou, sim, chato e manhoso, é verdade, mas jamais para comer, pois que de bom grado e de estômago aberto já adotei a carne lessa, o pien, o struffoli, a polenta com queijo, a fortaia, o pissacán e tantas outras iguarias. Mas preciso manter sempre um pé em Plutão. Assim sendo, crem, não!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de julho de 2016)

Nenhum comentário: