Depois do sagu, que andam
querendo pela aí que eu deguste quente, recém saído da panela e tirado de cima
da chapa do fogão a lenha para os potinhos de sobremesa, coisa que resisto em
fazer porque venho de Plutão (que alguns afirmam não ser nem planeta) e prefiro
comê-lo gelado (heresia gustativa imperdoável aos olhos de uvanovenses e
arredores), agora querem que eu me deixe seduzir pelos encantos do crem.
“Querem”, nesse caso, refere-se às intenções da senhora minha esposa, notória
apreciadora dessa especiaria típica dessas plagas serranas e que tanto foge aos
limites de meus sabidamente curtos poderes de compreensão.
Que é o crem? De onde vem? Onde
nasce? Crem o produz? Por que comê-lo? Como comê-lo? Quando? Com crem? Com o
quê? A qualquer hora do dia? Faz mal antes de dormir? Possui poderes curativos
e/ou preventivos? Surgiu antes ou depois do sagu quente? Quem não come crem, é
ruim da cabeça e bom sujeito não é? Não sou um bom sujeito? Sim, porque, além
de evitar sagu quente, ainda por cima eu também não como crem! Torço o nariz sempre
que a senhora minha esposa brilha os olhinhos ao espichar uma colherada de crem
sobre um (até então) lindo e saboroso naco de churrasco. Também diz ser um
ótimo acompanhante para sopas, caldos e cremes. Afirma que deixa delicioso
tanto um prato de sopa de agnoline quanto um de capeletti.
Sempre que pode, ela surge (nem
imagino de onde) com um pote entupido até a boca com crem, que guardará na
geladeira e devorará todo sozinha, apesar dos insistentes apelos para que eu a
acompanhe nessa orgia de sabores que afirma apreciar. Ah, pobre cavaleira
solitária empunhando bandeira vencida contra as paredes do velho e tosco moinho
de vento. O velho e tosco moinho de vento, no caso, sou eu, madama, como a
senhora muito bem já percebeu. Pois que não adianta, não como crem. Não como, mesmo
sabendo que trata-se de uma espécie de raiz forte, um tubérculo tipo mandioca,
que é ralado e imerso em vinagre para conservação. Mesmo assim, não como.
Alguém, eu sei, vai me perguntar
se pelo menos alguma vez eu já experimentei o crem. E responderei que já, sim, mas
consegui me desamarrar logo depois e escapei antes que viessem com a sobremesa de
sagu quente. E não é que eu seja chato e manhoso para comer, não, senhora. Sou,
sim, chato e manhoso, é verdade, mas jamais para comer, pois que de bom grado e
de estômago aberto já adotei a carne lessa, o pien, o struffoli, a polenta com
queijo, a fortaia, o pissacán e tantas outras iguarias. Mas preciso manter
sempre um pé em Plutão. Assim sendo, crem, não!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de julho de 2016)
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