quarta-feira, 27 de julho de 2016

Onde está o pulo do gato

“Amor, me ame mesmo. Você sabe que eu amo você. Eu sempre serei sincero, então, por favor, me ame mesmo”. Essa é uma. Outra é assim: “”Enquanto eu escrevo esta carta, envio meu amor para você. Lembre-se que eu sempre estarei apaixonado por você”. Tem ainda uma assim: “Vamos lá, vamos lá, por favor, agrade-me como eu agrado a você”. Em tradução livre por conta deste cronista mundano, são assim, em essência, as letras dos três primeiros sucessos que os Beatles compuseram e lançaram nos anos de 1962 e 1963 (por ordem de citação: “Love me do”, “P.S. I love you” e “Please, please me”), lançando as bases para o surgimento da mais importante banda de rock de todos os tempos.
Olhando em retrospecto, é interessante detectar a superficialidade das letras das primeiras canções criadas pela dupla Lennon/McCartney, que integram as faixas dos dois primeiros álbuns da banda (“Please, please me” e “With the Beatles”, ambos de 1963), em contraposição com a complexidade que eles logo alcançaram poucos anos depois, resultando em dezenas de pérolas como “Something” (esta de George Harrison), “Penny Lane”, “I am the Walrus”, “A day in the life” “The fool on the hill” e tantas outras. O que se fica pensando é: onde está o pulo do gato? O que aconteceu para eles se transformarem de repente em bons compositores? Qual foi a mágica? Às vezes, surgem algumas pistas, e o que vou relatar a seguir pode ser uma delas.
Ainda nos primórdios da carreira, no início de 1963, após lançarem como singles as três canções singelas que citei na abertura, os Beatles criaram “From me to you”, composta pela dupla Paul McCartney/John Lennon. A composição não avança muito além do que vinham fazendo até então, porém, dessa vez, havia uma história sendo contada, um enredo com começo, meio e fim, e John e Paul ficaram orgulhosos dela, considerando-a um avanço (o que de fato era, em relação a eles próprios). No entanto, a recepção da imprensa e da crítica não foi tão calorosa assim e um jornal londrino chegou a classificar a música como “abaixo da média”. Isso gerou frustração e raiva na banda, porém, a partir dali, os Beatles começaram a melhorar cada vez mais. O que houve?

Anos depois, em entrevistas, John Lennon, referindo-se ao fato, revelou que, a partir daquilo, ele se deu conta, pela primeira vez, “de que você tem de melhorar sempre”. E foi o que fizeram, transformando em mantra característico da banda a busca incessante pela excelência. A mágica foi essa: tomada de consciência interior e opção pelo esforço árduo. O sucesso não chove no colo de ninguém.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de julho de 2016)

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