Sempre
que navego por perfis alheios nas redes sociais, eu me lembro de Horácio. Sabe
o Horácio, madama? Hein? A senhora diz aquele bichinho verde e cabeçudo criado
por Mauricio de Sousa, nos gibis da Turma da Mônica? O bichinho é um
dinossauro, madama, mas não, não é esse o Horácio a que me refiro. Falo do
Horácio amigo de Hamlet, personagens criados por William Shakespeare na peça
teatral afamada, da qual algumas pérolas singram firmes os mares do tempo e
permanecem significativas até hoje, como “ser ou não ser: eis a questão”, “há
algo de podre no reino da Dinamarca” e outras.
Entre
as outras, salta-me à mente, sempre que navego por perfis alheios nas redes
sociais, uma frase que Hamlet dirige a Horácio na Cena 5 do primeiro ato da
peça: “há mais coisas entre o céu e a terra do que julga nossa vã filosofia,
Horácio!”. Por meio da fala inspirada, Hamlet compartilha com o amigo a sua
estupefação frente às coisas do mundo que escapam à nossa mais afinada
capacidade de tentativa de compreensão. Não tenho, a exemplo de Hamlet, nenhum
amigo chamado Horácio a quem eu possa invocar nesses momentos de estupefação,
portanto, evoco o Horácio de papel mesmo sempre que minha vã filosofia se vê
pequena diante das coisas que vejo nas redes sociais.
Selfies
de pés, por exemplo. Depois das selfies de si mesmos (e viva o pleonasmo!), dos
rostos sorridentes se sobrepondo a cartões-postais famosos como a Torre Eiffel,
Machu Picchu, o Monumento ao Imigrante etc, o terceiro posto no ranking das
fotos mais repetidas nas redes sociais é ocupado pelas selfies dos próprios pés
dos internautas. As pessoas tiram férias, assentam-se à beira-mar ou à borda da
piscina e pimba! Tascam uma foto de seus pés observando o mar, refletindo sobre
suas vidas pedais deitados em uma esteira, olhando o movimento, essas coisas
que pés fazem quando não estão pisando. São as “pesfies”. Antes delas, grassam
nas redes sociais as selfies de espelho, resultantes do impulso que as pessoas
cultivam de fotografar a si mesmas e nas quais o que realmente se sobressai é o
aparelho celular ofuscando o rosto do (da) vivente, dando a impressão de
existirem celulares andantes providos de corpo e pernas (móveis, de fato). São
as “celularfies”.
Selfies,
celularfies e pesfies infestam os perfis das redes sociais, Horácio, atordoando
nossas filosofias, por mais vãs que elas sejam. “Ó, tempos! Ó costumes”, já
dizia Cícero em Roma, tão aparvalhado quanto Hamlet, Horácio e eu, frente ao
que não entendia ao seu redor. Ao menos, sinto-me bem acompanhado em minha
estultícia.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de julho de 2016)
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