terça-feira, 26 de julho de 2016

O azar de amar Nastenka


A história é pungente e me chegou ao conhecimento narrada por um amigo, a quem chamo Fiódor. Por que classifico a narrativa como “pungente”? Ora, porque, conforme ensinam os dicionários, ela causa “uma impressão muito viva e dolorosa”. Trata-se de uma história de amor. De amor não correspondido. Uma história de amor não correspondido, ainda mais quando bem narrada, tem o poder de plantar em nosso íntimo uma impressão viva e dolorosa. Portanto, pungente. Mas o que mais marca o conto é a frase com que meu amigo encerra a narrativa, intitulada “Noites Brancas”. Chegaremos a ela.

A ação se passa em meados do século 19, na cidade russa de São Petesburgo. O protagonista, cujo nome Fiódor não nos revela, é um jovem sonhador de poucos recursos que luta pela sobrevivência enquanto idealiza um amor que nunca lhe aparece. Certo dia, depara na rua com uma bela moça a caminhar desatinada, visivelmente abalada por algum motivo, desnorteada, a chorar. Ele se aproxima, aborda-a, oferece um amparo que prontamente é aceito pela fragilizada desconhecida. É o que basta para o início de uma conversação que logo se transforma em forte amizade, com ambos trocando confidências e compartilhando suas histórias de vida.

A bela e chorosa moça se chama Nastenka. Ela está sofrendo de amor porque há um ano espera pelo retorno de seu noivo, que fora a Moscou fazer fortuna e lhe prometera retornar naqueles dias, procurá-la e casar com ela. Ela esperou pacientemente pelo prometido. Porém, agora, sabe que ele está na cidade há três dias, mas não a procura. Terá casado com outra? Esqueceu-a? Abandonou-a? Não a ama mais? Oh, como sofre Nastenka! O rapaz promete ajudá-la. Levará carta dela ao amante desleixado e aguardará resposta. Em meio a essas tratativas, o inevitável acontece: ele mesmo se apaixona por Nastenka, cujo coração é de outro. Ao final, como o noivo poltrão não aparece, ela chora nos braços de nosso enamorado protagonista, que lhe revela seu amor por ela.

Nastenka, então, entrega o coração a seu jovem protetor, já que nada mais lhe resta. Ele vibra. Casará com ela! Será feliz! Já o é, neste preciso instante! No entanto, em meio à comoção, o tal noivo, enfim, surge, e Nastenka, com um grito de emoção, se desprende dos braços do protagonista e desaparece nas brumas com o antigo amado. Decepção! Horror! Tristeza! Mas o moço consegue encontrar consolo em suas próprias palavras, com as quais meu amigo Fiódor Dostoievsky encerra o conto: “Meu Deus! Um instante de completa felicidade, não basta já para uma vida inteira?”. Boa pergunta...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de julho de 2016)

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