quarta-feira, 26 de março de 2014

Enganando a maldita


Nas muitas vezes em que levo meus olhos a passear pelas estantes das livrarias, deixo eles se divertirem um pouco naquelas seções em que os livreiros amontoam os livros pertencentes a uma espécie muito estranha de literatura. Tratam-se daquelas obras concebidas com a pretensão de ajudar a organizar alguns aspectos de nossas vidas, orientando interesses e economizando esforços de busca.
Normalmente, os títulos desses livros dizem assim: “Cem filmes para assistir antes de morrer”, “150 livros para ler antes de morrer”, “200 lugares para conhecer antes de morrer”, “Os cem maiores escritores da Lapônia”, “As 100 melhores receitas de cachorro-quente”, “300 receitas para preparar para sua namorada”, “20 receitas para preparar para sua esposa”, “Mil receitas para preparar para sua amante”, “As 100 receitas que você não preparará para sua ex”, “Trinta receitas para forçar que ela o deixe”, “Como ficar rico em 10 lições”, “Como conquistar quem você quiser e como se livrar depois”, “Os 90 livros que você deveria ter lido mas que jamais lerá” e assim por diante.
Deixo meus olhos circularem pelos títulos e, dependendo do caso, até permito que minhas mãos entrem na jogada e retirem algum exemplar da prateleira para folheá-lo e fornecer, assim, aos olhos, uma ideia mais ampla do conteúdo ali impresso. Mas nunca permito a participação de meu bolso nesse processo. Não os compro. E não por preconceito bobo ou por soberba, altivez, esnobismo. É por medo mesmo.
Sou muito medroso. Especialmente em relação a essas listas que indicam o que fazer (ler, assistir, comer, visitar) antes de morrer. Eu, assim como a maioria das pessoas viventes, não desejo morrer. Prefiro pensar na morte como um acontecimento longínquo que pode ser mantido à distância enquanto eu fizer coisas como respeitar os limites de velocidade nas rodovias, me alimentar de forma mais saudável, não colocar os dedos molhados nas tomadas e coisas assim. Para que, então, brincar com fogo?
Para que comprar uma obra que me indica cem livros para ler antes de morrer? Dei uma folheada na centena de indicações ali inseridas e detectei que já li umas 75 delas. E todos os outros 25 títulos restantes me interessam. Dez deles, por sinal, já estão na pilha lá em casa, para serem lidos. Em o fazendo, estarei me colocando perigosamente no final da fila para o encontro com a Maldita, segundo as projeções do autor do livro.

Como não sou besta, está decidido: só vou ler mais 24.

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