domingo, 8 de junho de 2014

O branco mais branco

Um moranguinho mergulhado no interior do glacê de uma torta de morangos. Perfeito! Depois de muito pensar, depois de passear por inúmeras tentativas para encontrar a comparação ideal, detectei na imagem de um solitário morango, afundado na alva camada de glacê da torta que ele compõe, a metáfora certeira para a densa, cerrada e espessa manta de neblina que se apoderou de Caxias do Sul desde as primeiras horas da manhã de sexta-feira.
Fora de casa, não era possível enxergar nada a uma distância além de um palmo do nariz. Somente a brancura da cerração estimulava o sentido da visão, monopolizando o cenário de uma cidade submersa em brumas. Teclo o termo “brumas” e me recordo do livro “As Brumas de Avalon”, da norte-americana Marion Zimmer-Bradley, romance de cavalaria que fez sucesso internacional no início da década de 1980. Não li a tetralogia nem assisti aos filmes, mas sempre fui capaz de imaginar a intensidade das brumas que recairiam e cercariam o mítico reino de Avalon, pelo qual transitavam donzelas indefesas e cavaleiros andantes. Nenhuma dessas brumas ficcionais chegou sequer aos pés das brumas que a realidade serrana fez se abaterem sobre Caxias do Sul nessa última sexta-feira.
Dei-me ao trabalho de comparar a brancura do mundo que o vidro da janela do quarto revelava com a brancura dos lençóis recém saídos da máquina de lavar (não venha com gracinhas caro leitor... nossos lençóis são branquíssimos, sim, senhor... mas nem se comparavam com as brumas de Caxias do Sul na manhã que aqui reporto). Deitei o olhar sobre a brancura da página ainda intocada, aberta na tela do computador, e mesmo assim não vi ali um branco mais branco que o do lado de fora da janela. Nada superava a brancura da neblina de sexta. Dificilmente algo a superará, nem mesmo os eventuais brancos que acometem a mente de um cronista instantes antes de dar início à produção de mais um texto, em busca da metáfora ideal que expresse com minúcia e beleza a alvura de um dia imerso em brumas.

Daí, então, o moranguinho mergulhado no interior do glacê de uma torta de morangos. Talvez só ele, o solitário moranguinho da torta de morango, consiga enxergar em seu entorno um bloco de brancura tão intenso quanto o que transportou Caxias para Avalon no dia 6 de junho de 2014. Nem mesmo as geleiras do Ártico. Nem mesmo a desinspiração de um poeta. Só mesmo Caxias e suas brumas. Ou o interior glaceado da cobertura daquela torta de morangos. Ai que fome. Para que lado fica a confeitaria mesmo?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 7 de junho de 2014)

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