sexta-feira, 6 de junho de 2014

O que fazer

“Saiba identificar se você está na carreira certa”. Vivendo nessa nossa época caracterizada, entre outras coisas, pela eterna insatisfação com tudo e por uma constante busca não se sabe exatamente pelo quê, não tem como uma matéria com um título desses passar batida. Parei e fui lá dar uma olhada.
O primeiro passo - conforme o especialista em carreiras e profissões entrevistado na reportagem - para identificar se você está atuando na carreira mais adequada para a sua vida é fazer um balanço de suas aptidões, interesses, habilidades e gostos pessoais. “Bastante coisa para um primeiro passo”, pensei eu, que tenho aptidão para complicar, interesse em esquadrinhar, habilidade para analisar e gosto pessoal por refletir. “Mas vamos lá”, pensei de novo, e lá fui. Venha junto e veja no que deu.
Puxei o pufe mais para perto, estiquei as pernas, lancei os olhos para o teto, que é por onde costumo observar o nada quando me ponho a refletir sobre o tudo, e fiquei ali, coçando o queixo e imaginando que nesses momentos é que seria interessante possuir um cachimbo. Um cachimbo ali, no canto da boca, fazendo composição com o queixo sendo coçado logo abaixo dele, seria o elemento que conferiria um toque literário e de classe àquela cena de eu pensando. Mas não fumo, não tenho cachimbo, e que mania essa de divagar e me perder no meio de um pensamento. Foco, Marcos. Retomemos.
A primeira coisa a questionar, nesse assunto, é algo tipo assim: “será que sou mesmo feliz, será que estou a desenvolver a totalidade de minhas potencialidades sendo o que sou, no meu caso, jornalista e escritor?”. Para saber a resposta, procurei fazer um exercício de imaginação e me ver desenvolvendo alguma outra atividade qualquer, bem diferente da minha, para então tentar detectar a sensação. Eu alpinista, por exemplo. Um gorro na cabeça, luvas poderosas, mochilão cheio de bagulhos nas costas, suspenso em uma corda, cravando uma picareta na encosta do Monte Everest e dando mais um passo acima, rumo ao topo, saboreando cada centímetro daquela conquista pessoal frente aos desafios da natureza.

O fugaz sabor logo se esvai assim que deixo cair da mão a picareta, que volteia no ar antes de quicar na cabeça de meu parceiro de aventura que vem (vinha) logo abaixo de mim. Atordoado com o golpe, ele se desprende da corda, o que prenuncia a tragédia. Mas de novo devaneio. Só que devaneio certo, afinal, desastrado como sou com a administração das extremidades de meu corpo (nunca sei o que fazer com as antenas, as asas e a cauda), eu seria um perigo escalando montanhas. Melhor mesmo parar com isso, levantar do sofá e ir lá escrever um texto. E nem pensar isso de comprar um cachimbo...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de junho de 2014)

Nenhum comentário: