terça-feira, 14 de julho de 2015

Nunca deixe para ontem

Eu estava mesmo determinado: não passaria de ontem! Ou, como eu disse a mim mesmo, ontem: “De hoje não passa”! Há dias que eu vinha adiando a concretização do projeto, procrastinando (que é palavra repleta de consoantes, difícil de dizer e rara de usar, mas às vezes eu consigo), enrolando e dizendo que não passaria de amanhã. Mas ontem eu disse que não passaria de hoje (esse “hoje” dito ontem era o hoje de ontem, e não hoje-hoje, em que esse referido “hoje” já é ontem) e de ontem não passou mesmo. Fi-lo!
A tarefa era daquelas coisinhas simples a fazer, mas que, devido mesmo à sua singeleza, acabamos sempre deixando para outra hora, só que, de vez em quando, as consequências de não a termos feito aparecem e nos induzem a auto-puxarmos nossas próprias orelhas (e digo isso metaforicamente, não pensem que protagonizo cenas de inenarrável contorcionismo na intimidade de meu escritório, exceto quando cai no chão a caneta e decido persegui-la sem sair da cadeira, o que concorre para o agravamento de certas dores lombares cuja solução também venho há vários ontens deixando para vindouros amanhãs, nessa coleção de procrastinações, e eis que uso de novo a palavra, a segunda vez no mesmo texto, agora ela vai para a geladeira das palavras por algum tempo, e sem discussão). Fiz uma listinha e dirigi-me a uma papelaria, no centro da cidade.
Assim que fui atendido pela sorridente balconista, fui elencando minhas necessidades: uma caixinha de clipes coloridos; uma caixinha de grampos para grampeador, do tipo 26/6, e não que eu saiba de que raios se trata tal numeração, mas é que anotei todas as referências impressas na caixinha antiga, para evitar ter de levar junto o grampeador ele-próprio a fim de ser avaliado pelo olhar especializado da balconista; dúzias de envelopes de todos os tipos, formatos, tamanhos e cores; dois cartuchos para impressora, e eis aqui também os números dos ditos, para não haver engano, e o mais importante de tudo: dois saquinhos de ponto e vírgula.

Sim, senhora, não me olhe desse jeito, que sou cronista mundano diário e utilizo muito dessas coisinhas, basta ver a situação do parágrafo anterior, e meu estoque já está acabando. É o que dá, botar ponto final antes do tempo, deixando as coisas para amanhã.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de julho de 2015)

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