quarta-feira, 15 de julho de 2015

Peras na figueira

Trata-se de uma figueira. Daquelas que dão figos, mesmo, para colher e comer. Árvore bonita, frondosa, robusta, elegante. Age como se fosse a rainha daquele pátio generoso em verdes. Também pudera, é a mais antiga do quintal e se destaca quando comparada aos arbustos, ao singelo pé de jacarandá, ao limoeiro, ao canteiro de rosas. Generosa, oferta seus figos sempre que chega a época. Fornece sombra com seus galhos e folhas, acolhe os ninhos dos passarinhos, deixa as cigarras grudarem suas cascas no tronco, produz música aos ouvidos sensíveis com seu farfalhar nos dias de vento. É uma árvore simpática e participativa.
Muitos são os que se aproximam dela para saborear seus frutos, e ela não os nega a ninguém. Toda e qualquer criatura tem o direito de catá-los e se deliciar com eles, desde as pessoas até os passarinhos. Houve até uma época, juram os mais antigos, que surgiu um macaquinho sabe-se lá de onde, que durante algumas semanas fez a festa com os figos da figueira, até desaparecer de novo no mato para nunca mais voltar. A figueira não negou um figo sequer ao macaquinho, assim como não os nega a ninguém. Afinal, ela é figueira, foi feita para ofertar figos, e isso ela faz com maestria, com prazer, com generosidade.
Só há uma coisa que anda deixando a figueira um pouco incomodada, nos últimos tempos. Ela vem se sentindo estressada com a postura de algumas pessoas, que começaram a se aproximar dela em busca de peras. Chegam até ela, observam-na toda, circundam a árvore, tocam seu tronco, colhem seus figos, chegam até a provar alguns e depois cospem os pedaços fora, reclamando que não são peras, porque vieram até ela em busca de peras. Mas ela é uma figueira! Ela jamais prometeu gerar peras, jamais anunciou aos ventos que a chacoalham que passaria a produzir qualquer outra fruta que não fossem seus figos, muito menos, peras! Por que vêm até ela em busca de peras?

Ora, diz-me a figueira amiga, há uma enorme e bela pereira ali ao lado, no quintal do vizinho. Há duas até! Por que não se dirigem até ali, tão pertinho, em busca das peras que tanto desejam? Por que insistem em vir até ela, uma figueira, em busca de peras, se querem peras e não figos? Ela detecta sinais de pouca inteligência nessa busca por peras na árvore errada. Eu escuto, colho um figo que ela me oferece, deixo o sumo da polpa inundar minha boca e aceno com a cabeça, concordando deveras.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de julho de 2015)

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