segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A hora certa

Tenho uma mania que me inferniza: gosto de chegar no horário marcado. Mais do que mania, creio que a coisa já assumiu em mim aspectos de compulsão, se é que manejo bem os jargões psicológicos. De qualquer forma, o que interessa é isso: sou um escravo da hora certa, uma vítima da autoimposta obrigação de não chegar atrasado. Fico ansiado à morte se percebo que estão à minha espera. Prefiro esperar a ser esperado.
Há vezes, portanto, em que tenho de aguardar muito, pois nem todos (quase ninguém) penam a mesma sina que eu e protagonizam atrasos memoráveis para reuniões, cafés, bate-papos, tele-entregas, prestações de serviços, consultas, entrevistas, aulas, o escambau. Sabendo disso é que porto sempre comigo algum livro e tem sido assim, ao longo dos anos de espera, que venho conseguindo avançar bastante nas leituras, o que, ao menos, se configura em efeito colateral pra lá de benéfico. Mas não justifica os atrasos alheios, que fique claro.
Muito mais do que chegar na hora marcada, minha obstinação por cumprir o horário é tamanha que, via de regra, eu me materializo nos lugares antes, bem antes (“muuuitooo anteeees”, diria minha esposa, a quem vivo irritantemente a apressar) do que o necessário. Dez, quinze minutos antes, são fichinha. Normal é me verem ali plantado feito uma samambaia esperante meia hora antes do espetáculo, do café, da entrevista, da consulta, do escambau, como já disse antes, em clara pobreza de estilo literário que agora teima em reaparecer (cansei de esperar pela expressão mais adequada). Chego e fico ali, quarando. “Pra que vai tão cedo? Vai ficar lá quarando”, dizia minha avó. Pois é, vou e quaro.
Tenho me esforçado um pouquinho para às vezes chegar depois, mas não consigo. No máximo, nessas raras vezes em que tento ser atrasadinho, consigo chegar exatamente na hora, ou dois minutos antes. Até já não uso mais relógio de pulso há anos, desde que conseguiram enfiar as horas todas dentro dos aparelhos celulares, para desconsolo de minha esposa que acha elegante um bom relógio no pulso, mas não tem jeito, continuo adiantado.

Façam um teste, marquem algo comigo. Se eu chegar atrasado, é porque não sou eu, trata-se de um impostor. Se eu me atrasar, é porque já não fui mesmo. Agora com licença, que tenho um compromisso amanhã às duas e já vou indo...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de dezembro de 2013)

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