terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Sorvete de queijo

Uma das (incontáveis) vantagens da chegada do verão é que as pessoas param de me olhar estranho por eu estar comendo sorvete. Verão é sinônimo de gente circulando de corpo bronzeado à mostra, os passos cadenciados, a degustarem essa maravilha da inventividade humana que se nos apresenta sob os mais variados formatos, cores e sabores. Eu, que sou um fissurado por sorvete, sou-o (“sou-o”, Sr. Aurélio???,bem, que seja) tanto que pratico o consumo da gelada iguaria sob qualquer clima ou temperatura.
Pouco se me dá que seja inverno. Mando bala no sorvete mesmo assim. Pouco se me dá que neve lá fora, que chova, que haja raios e trovões, que caia granizo ou a seca grasse (”grassar”, Sr. Aurélio? Bom, que grasse), que a neblina assalte a Serra, que os ventos se façam uivantes. Seja como for, o que quero de sobremesa é sorvete. Sobremesa de verdade, para mim, é “sorvemesa”, e devoro sorvete a qualquer hora do dia.
Mas confesso que me sinto assim meio desamparado pelo fato de as pessoas deixarem de me olhar estranho quando devoro sorvetes no verão, pois que já andava acostumado a receber olhares de estranhamento ao desfilar de capotão e guarda-chuva no inverno pela Júlio de Castilhos saboreando, faceiro, uma casquinha de sorvete. “Não mente, Marcos, ninguém vende casquinhas de sorvete no auge do inverno em Caxias do Sul”, dirão vocês, leitores incréus. “Ah, vocês não sabem de nada, seus incréus”, responderei eu, enigmático, deixando a coisa no ar e me refugiando na dúvida que habita as sempre providenciais reticências de final de parágrafo...

É certo que as pessoas continuam tendo um desfiladeiro de razões para me olharem estranho mesmo que eu não esteja consumindo sorvetes no inverno, mas sim no verão, como todo mundo. Mas o fato é que, no inverno, fica mais fácil detectar a razão do olhar estranhado dirigido a mim quando sei que ele se dá pelo fato de eu estar a lamber casquinha de sorvete sob aquelas temperaturas que todos bem sabem quais são. Para seguir mantendo a coisa sob os domínios da área sorvetal, pus-me então a apreciar sorvetes de sabores esdrúxulos, e agora desfilo garboso e bem estranho, apesar do verão, a apreciar sorvetes de milho-verde (nham), de queijo (o melhor de todos), de melancia, de maçã-verde, de amendoim... Afinal, ficaria muito estranho, de uma hora para outra, deixar de ser estranho.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de dezembro de 2013)

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