sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A saída do viking

Sempre que tento sair à francesa, acabo saindo à viking mesmo. Posso estar em uma reunião, em um debate, em um encontro, em um seminário, na igreja, em uma festa, num almoço comunitário, no que quer que seja. Basta eu decidir abandonar o recinto de forma discreta, sem chamar a atenção, para que entre em cena meu aplicativo especial da desastrança e subverta por completo os planos.
Ocorre de tudo. Levanto e deixo cair um copo, dou a volta na cadeira e piso no pé de alguma senhorinha, caminho dois passos e esbarro numa vidraça, minha pasta abre e despeja todo o conteúdo no chão, tropeço em algum salto alheio, meto o cotovelo em costas que não me pertencem, dou de testa na quina da janela, enfio o dedo no saco de pipoca do esfomeado, verto vinho na toalha, chuto baldes, piso na casca da banana, cabeceio o lustre, esmago o rabo do gato, derrubo berços, trinco o aquário, rasgo calças, sou o pandemônio instalado. É como se carregasse um menir às costas e o fosse balançando desgovernadamente para os lados ao sabor da inoperância que comanda meus membros.
Elefante em loja de cristais é fichinha se comparado ao mastodonte que se apodera de meus movimentos. Cada perna e cada braço passam a agir em descompasso e desobedecem ao meu comando, inutilmente focado em fugar do recinto sem que as atenções recaiam sobre mim. Mas recaem, claro. Quero ser discreto, mas meus atos desgovernados traem o manto de invisibilidade que gostaria que me envolvesse nesses momentos. Ao querer me retirar, danço a dança das avalanches. Ao invés de simplesmente sair, me desmorono para fora. Todos percebem meu ato de retirada e sei que serei alvo de cobranças amanhã.
“Não ficaste até o fim, né?”. “Você saiu antes”. “Que houve que não permaneceu até o final, não gostou?”. “Ah, perdeste o melhor ontem”. “Na próxima, vê se fica”. Recebo as admoestações resignado com o fato de que, daqui em diante, talvez o melhor mesmo seja organizar minhas atividades de maneira a evitar ao máximo a necessidade de retiradas estratégicas antes do término de qualquer evento em que eu esteja envolvido. Desafio difícil para quem, como eu, prefere preâmbulos a posfácios.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de novembro de 2013)

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