terça-feira, 2 de setembro de 2014

Marguerita e portuguesa

Como é difícil sairmos da zona de conforto que nós mesmos tecemos em nosso entorno pessoal. Como é difícil alterarmos em nós os hábitos encravados em nossas essências há tantos anos pela simples repetição de nossos atos e de nossos pensamentos. Isso decorre diretamente da desvontade que temos em ousar, devido à preguiça em destinar esforços para palmilhar novidades.
Tememos o novo. Somos seres de hábitos, sem nos importarmos muito se esses hábitos são positivos ou negativos. Parece que basta ser hábito para que justifiquemos dentro de nós a repetição de seu uso e a imutabilidade de sua presença na consolidação de nossos atributos pessoais. Deixar de fumar? Sim, o fumante sabe racionalmente que seria bom para sua saúde abandonar o cigarro. Mas trata-se de um hábito, então... Emergir do fundo da fofura de nossos sofás, dando um chega prá lá no sedentarismo e passarmos a fazer exercícios pelo menos duas vezes por semana? Sim, sim... a partir da semana que vem... quem sabe... talvez... uhum...
Mas não pensem que estou aqui me travestindo de filósofo de botequim, a aspergir lições de moral trajando sunga no baile da gala, não. Trata-se mais de um mea-culpa do que de uma pregação respaldada em virtudes. Também eu coleciono cá minhas imutabilidades perenes. Basta ver a mim e à minha esposa em uma pizzaria, por exemplo. Caso o estimado leitor (ou leitora) nos visualize noite dessas em uma mesa de pizzaria, cada um com os olhos enterrados em seu respectivo cardápio, pode apostar com quem estiver com você: iremos pedir marguerita e portuguesa. É batata!
Nós chegamos, sentamos, recebemos os cardápios e ficamos ali, vários minutos em silêncio, cada um percorrendo com os olhos as dezenas de suculentos e apetitosos sabores para ao final, sempre, invariável e imutavelmente, pedirmos: marguerita (ela) e portuguesa (eu). A de dezessete queijos, a de atum com brócolis, a de costela com batata palha, a de aspargos e gorgonzola (humm) ficam sempre para a próxima vez. E, na próxima vez, pode apostar: será, de novo, marguerita e portuguesa.
Que coisa mais difícil mudar uma cisma. 
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de setembro de 2014)

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