terça-feira, 16 de setembro de 2014

Nós, os vampiros

Somos seres paradoxais por natureza. O imediatismo é hoje um dos grandes males a afligir boa parte da humanidade que habita o mundo ocidental moderno. Queremos tudo para ontem, sendo que tudo aquilo que pertence ao ontem já recebe de nós, imediatamente, o rótulo de velho, antigo, ultrapassado. Almejamos o novo e, assim que o conquistamos, procedemos ao descarte para retomarmos o processo de nova caça.
Estamos abandonando a conjugação do ato da fruição em nossas vidas ansiadas, atribuladas, lotadas pela necessidade de consumir sem sedimentar. Um disco lançado ontem, hoje já não tem mais valor por ter perdido (aos nossos olhos vampirescos pelo novo) o frescor da novidade. Sim, porque amanhã já haverá outro disco e depois de amanhã outro e mais outro. E assim se dá com tudo, em qualquer outro aspecto de nossas vidas. Vidas voltadas ao descarte. Vidas voltadas ao consumir sem fruição, sem sedimentação, sem elaboração.
Devoramos com alegria tudo aquilo que o insaciável universo do descarte ininterruptamente nos oferece. Devoramos comida, devoramos filmes, jogos de futebol, relacionamentos, ídolos, novelas, cervejas, músicas, automóveis, promoções, tênis, roupas, jogos, computadores, softwares, hardwares, celulares, sapatos, lanches, gasolina, tudo, tudo, tudo e mais o que houver.

Devoramos avidamente até mesmo as opiniões dos outros. E se forem preconceituosas e repletas de ódios, temos ainda mais rapidez em adotá-las e reproduzi-las, sem pensar a respeito, sem refletir. Viramos craques em dar “control C” e “control V” no processo de reproduzir as aberrações ideológicas dos outros. O paradoxal disso tudo é que, nessa ânsia insaciável de devorarmos vida aqui e agora, desejamos obter vida longa, porém, execramos o principal elemento que vem junto com o pacote da longevidade: a velhice. Os vampiros existem e somos nós, as pessoas reais desse insano moderno mundo, pois almejamos vida eterna com juventude perene. Só que não. O verdadeiro sopro de vida ainda se esconde no silêncio dos momentos de paz consigo mesmo. Se parar um pouco e der uma olhadinha, vai ver que ele ainda está lá.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 16 de setembro de 2014)

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