quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A sorte do terceiro

Aqui em casa funciona assim: minha esposa é a olheira e eu sou o executor. Hein? De que raios estou falando? Calma, acompanhe que tudo em breve clareia, igualzinho à neblina matinal que, como um véu, encobre o mundo a partir de nossas janelas e, pouco a pouco, ao ritmo do nascer do sol, vai se dissipando e revelando as cores do mundo (exceto, claro, nos dias em que chove cântaros e oceanos da alvorada ao crepúsculo, como estamos habituados a ver por essas bandas). Mas eu dizia mesmo...? Ah, sim, de como são as coisas aqui em casa: ela, a olheira; eu, o executor. No próximo parágrafo...
Estou a falar de comida, que é assunto de alto interesse universal, conforme já detectei por meio de pesquisas de popularidade aplicadas aos temas recorrentes aos quais recorro com frequência aqui nessas mal digitadas. Comida! Falemos de comida, que sempre rende. Ocorre que a senhora minha esposa é vidrada nesses programas de televisão estilo reality shows culinários, nos quais um bando de trapalhões de avental se mete a esbarrar em panelas e caçarolas para serem xingados frente às câmeras por uma equipe de jurados formada por chefs ditos renomados cujas falas requerem legendas, já que, no Brasil, para ser renomado, precisa vir de fora. Não tenho paciência para assistir aos episódios e o combinado é que ela me chama para perto da tevê somente na hora da apresentação final dos pratos. Se eu gosto do que vejo, no dia seguinte, vou às panelas em casa, para tentar reproduzir o menu. Sozinho e sem xingamentos (ao menos, durante o processo de preparo).
Mas descobri uma coisa, nesse procedimento todo: em se tratando de testes culinários, ri melhor quem vem por terceiro. Explico. A primeira experiência é vivenciada somente a dois: minha senhora e eu. Aprovado o prato, ousamos convidar algum casal de amigos ou de parentes (de preferência primeiro os parentes, que mais dificilmente nos deserdarão em ocorrendo alguma catástrofe) para exibir o novo prato recém-inserido no cardápio oficial da casa. Mas normalmente erros ainda acontecem nessa fase. Felizes mesmo acabam sendo os comensais da terceira leva, quando, via de regra, o Salmão a Wellington, por exemplo, sai dourado, crocante e bem assadinho, como deveria ter sido desde a primeira vez.

Aqui em casa, vale a pena chegar em terceiro. Informe-se a respeito do pódio sempre que receber daqui um convite para o jantar.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de setembro de 2015)

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