segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Literalmente teimosia

Afirmo que todo leitor é um resiliente. Ou um resiliente, ou um masoquista, ainda não cheguei a uma conclusão definitiva sobre o assunto. Não descarto a hipótese de que todo leitor (e quando digo “leitor” estou me referindo a todas aquelas pessoas que têm a paixão e o hábito de ler livros, de se entregar ao ritual silencioso e ensimesmado de passear pelas páginas de obras literárias), de que todo o leitor, repito, seja na verdade um grande casca grossa. “Casca grossa” aqui querendo significar um caldo de qualidades como resiliência, masoquismo, teimosia, determinação, vontade inquebrantável, essas coisas.
Trata-se de um estudo que ando fazendo para tentar entender as motivações secretas e indevassáveis que ainda movem essas cada vez mais raras pessoas que gostam de empunhar um livro e dedicam horas de suas existências ao ofício da leitura, os chamados “leitores”. Como sou um deles - integro a espécie desde que vim ao mundo e desde antes de ser alfabetizado -, o objeto de minha pesquisa está bem ao alcance das minhas mãos e dos meus olhos, pois estudo a mim mesmo. Por que somos tão teimosos?
Sim, porque é preciso ser dotado de altas doses de teimosia para ser um leitor. Teimosia, resiliência, resistência, masoquismo e “casca-grossismo”. Convenhamos, você aí que é leitor também, nós seguimos lendo porque deve haver algo de errado conosco, algum neurônio deve ter sido desligado em nossos organismos, justamente aquele que leva ao cérebro a sensação física do desconforto. Porque simplesmente não existe (e isso eu afirmo do alto de minha condição de leitor-desde-sempre) posição confortável para ler. Pode ser sentado na cadeira, esparramado no sofá da sala (com ou sem pufe para o descanso dos pés), no banco do ônibus, na sala de espera do consultório, em pé na fila do banco, escorado no porte, escorado no muro, semideitado na cama com o travesseiro nas costas, deitado no tapete, agachado, sob a sombra da árvore, em cima dos galhos da árvore, à beira do rio, na rede, na cadeira de praia à beira-mar, sobre a esteira, enfim, lê-se de todas as formas, de todos os jeitos, mas nenhuma posição é confortável quando se tem um livro nas mãos.

Mas seguimos lendo e lendo e lendo e lendo. Deve ser porque alguma coisa na leitura desliga os desconfortos do corpo, supre a alma e nos plenifica de vida. É um mistério. Espero jamais desvendá-lo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de setembro de 2015)

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