terça-feira, 22 de setembro de 2015

Pixote, nada!

O dia amanheceu bonito após algumas semanas nubladas, úmidas e chuvosas (parecia certa cidade da Serra Gaúcha, mas não, o cenário remontava à região do Havre, no norte da França), e o grupo de familiares e amigos decidiu aproveitar a bonança e ir à praia capturar camarões. João, estudante de Direito, estava mais interessado em focar seus estudos nas graciosidades apresentadas pela bela e jovem viúva conhecida como Senhora Rosémilly, loura de olhos azuis, cujos “cabelos soltos, que esvoaçavam à menor brisa, e o ar petulante e ousado de sua expressão, não condiziam com seu espírito equilibrado e metódico”.
Do lado de cá das páginas sublimes de Guy de Maupassant (1850 – 1893), descritas no romance “Pedro e João”, ficamos torcendo de imediato pelo sucesso das sutis e elegantes investidas de João, uma vez que a Senhora Rosémilly se nos apresenta de fato encantadora. Vamos lá, João, mostre a ela o seu melhor, encante a dama, isso, empunhe com determinação a rede de pesca e dirija-se resoluto à beira da praia, vencendo o pequeno rochedo, as calças arregaçadas, e ponha-se logo a encher o balde com dezenas de camarões, a exemplo de Pedro, seu irmão mais velho, que logo ali adiante se dedica com afinco à tarefa e, em continuando assim, todos terão de atribuir o sucesso do jantar, mais tarde, somente a ele. Lá vai João, sob o olhar atento da Senhora Rosémilly e a torcida fervorosa de nós, do lado de cá.
Porém, pouco afeito às lides praianas e camaronísticas, João escorrega, bate no balde, verte dele a água, perde a rede nas águas revoltas do mar. Ao longe, a jovem e bela viúva se diverte com a cena e grita de lá “pixote!”. Epa! Pausa aí na leitura. “Pixote”? Como assim, “pixote”? Que quer dizer isso? A única relação que faço com a palavra é o antigo personagem de desenho animado da Hanna-Barbera, o Dom Pixote, aquele simpático cachorrinho azul de gravata borboleta e chapéu. Mas, claro, o livro, comprei em sebo e é uma edição de 1956, texto antigo, termos que caíram em desuso, passados quase 60 anos.

Mas o velho e bom Aurelião salva a leitura: “Pixote: novato, inexperiente, principiante, menino novo, criança”. Ah, bom! Agora, sim, adiante. Que vergonha, hein, João, dando uma de inexperiente frente à dama de seus encantos. E eu aqui, no sofá, para sempre agarrado ao meu volumoso Dicionário Aurélio. Porque, a menos nisso de leituras, de pixote não tenho nada.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de setembro de 2015)

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