segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A bolsa e a vida

Minha esposa para de repente no corredor do shopping e larga a mão da minha, ato que me deixa por alguns segundos andando e falando sozinho. Eu me viro e vejo-a ali, o olhar aparvalhado, a boca semiaberta, os ombros caídos, naquela típica postura de quem está surpreso a ponto de perder as forças. Ela me olha fixamente e balbucia: “repete o que você acabou de falar”.
(Intervenção providencial para evitar mal-entedidos: não, leitores, não se trata de ceninha de casal em público, muito pelo contrário, como já verão)
“Repete o que você acabou de dizer”, insiste ela, modificando apenas o verbo final da frase. Eu puxo da memória o fio da meada e profiro de novo, claro que não literalmente, aquilo que acabara de dizer, que fora algo como: “bah, amor, você não acha que está na hora de trocar essa sua bolsa? Essa aí está bem velhinha, parece um saco. Tem tantas bolsas bonitas circulando por aí, você merece uma melhorzinha, não acha? Quem sabe aproveitamos que estamos aqui e compramos outra?”. Foi algo meio assim.
Ela não podia acreditar que tinha ouvido aquilo sair de minha boca. Logo eu, sempre no mundo da lua (das luas de Júpiter, ressalte-se); logo eu, sempre desligado dessas coisas (e por “essas coisas” entenda-se todas aquelas coisas sobre as quais nós homens somos desligados e as mulheres sabem muito bem do que se tratam); logo eu, que sou capaz de passar 16 anos usando a mesma calça a não ser que haja uma mulher ao meu lado evitando diariamente que minha porção cro-magnon saia do armário e prepondere. Logo eu, tendo um ataque súbito de sensibilidade, percebendo que ela deveria trocar de bolsa! Por um momento ela temeu ter se enganado e trocado de marido.

Mas não, era eu mesmo, o que ela certificou apalpando meu ombro e meus bolsos, nos quais obviamente não havia dinheiro para concretizar a troca da tal bolsa, mas, arrá, havia o cartão de crédito! Aproveitei a perplexidade dela e puxei-a para dentro da loja de bolsas mais próxima. Só que era “aquela” loja, meu caro, “aquela”, sabe? Quem manda ser bem-intencionado mas desinformado (para não dizer burro mesmo) quanto ao preço “daquelas” bolsas? Saímos dali de mãos e bolsa velha abanando. Mas, a julgar pelo ar pensativo dela na volta para casa, com um meio-sorriso no rosto, acho que ganhei o dia como se tivesse mandado flores...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de agosto de 2013)

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