terça-feira, 27 de agosto de 2013

Deitado na maca

Ao contrário do que eu imaginava, começou pela minha cabeça. Sempre pensei que se começasse pelos pés, mas enfim, o estreante era eu, a profissional era ela, não me cabia discutir. Fechei os olhos e relaxei o corpo todo. A sala era climatizada, uma penumbra auxiliava a conferir uma aura de tranquilidade ao ambiente no qual restávamos apenas nós dois, eu completamente nu, apenas um fino lençol branco a me cobrir o corpo todo, no qual ia detectando as sensações, todas elas novas e surpreendentes.
Primeiro, foi o couro cabeludo, as têmporas, as orelhas. Seguiram-se as pálpebras, os músculos da face, o nariz, os lábios, até mesmo o queixo. Continuou pelo pescoço e pelo pomo de adão, quando então me senti de fato começar a relaxar, a perder a rigidez dos músculos todos, a ficar mais à vontade naquela situação, os olhos ainda cerrados, entregue ao comando experiente de quem parecia saber o que estava fazendo. Os ombros e os braços foram focados simultaneamente, e também o peito teve a sua vez, baixando para os cotovelos, a base das costelas, a barriga, o umbigo.
Tudo era feito com uma dose certa e equilibrada de calma, precisão e técnica, que revelava anos de conhecimento e prática empenhados ali naquele procedimento ao qual eu destinava a atenção total dos meus sentidos, de toda a minha capacidade de percepção, apesar do relaxamento e da tranquilidade que advinha da situação. E assim chegou a vez dos pulsos, das mãos (os braços estendidos ao longo do corpo) praticamente no mesmo instante em que o foco pairou na pélvis, no sexo, nas coxas,  seguindo em direção aos joelhos e às pernas.
“Está chegando ao fim”, imaginei eu, ao detectar os esforços todos direcionados, agora sim, aos meus tornozelos, aos calcanhares, pés e dedos. Desde o início até o final, o procedimento não demorou mais do que quinze minutos, o que me surpreendeu, pois imaginava que levaria bem mais tempo do que isso.
“Pode se levantar e se vestir”, disse-me a doutora, enquanto desligava o aparelho de tomografia computadorizada com seu feixe de luz e eu me erguia meio mole da maca em que há pouco vivenciara aquela nova experiência que, de alguma maneira ainda obscura, eu sabia que haveria de se transformar em crônica.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de agosto de 2013)

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