sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Apesar do Batman

(Ele não era muito afeito à solução dialogada de crises)

Quando eu era criança (eu já fui criança, juro), lá nos anos 1960 e início dos 1970, na longínqua Ijuí, uma das coisas que mais gostava de fazer era assistir ao seriado “Batman e Robin”, exibido à tarde na TV Gaúcha. No horário certo, já feitos os temas de casa e estudado para a sabatina de ciências, eu preparava um sanduíche acompanhado de um copão de Toddy e rumava para a saleta onde morava nosso televisor Telefunken, com imagem em branco e preto, seletor de canais manual e botões para ajustar o brilho, o contraste, as linhas horizontais e as verticais (a imagem seeeeempre corria tresloucadamente bem na hora dos meus programas preferidos).
Ligava a tevê e ficava esperando o aparelho aquecer. Um pontinho de luz acendia bem no meio da tela ainda preta, indicação de que em breve o sinal surgiria e eu me largaria a acompanhar as aventuras dos meus super-heróis preferidos, a darem sopapos no Coringa, no Pinguim, no Charada. Vinha o sinal e lá ia eu, mais uma vez.
O interessante é que Batman e Robin eram personagens que solucionavam os problemas na base da violência, que ficava explícita não tanto pelos socos coreografados que desferiam de mentirinha nos atores-vilões, mas mais pelas onomatopeias (SOC, PLAU, CRUNCH) que explodiam na tela. Eles batiam e eu vibrava. Depois, assistia às cruéis perseguições empreendidas pelo gato Tom ao ratinho Jerry, um arremessando cadeiras na cabeça do outro ou fatiando o adversário em pedacinhos com motosserra. Outro dia, no mesmo canal (só havia um canal em Ijuí, naquelas primitivanças), via o Papa Léguas fazer o Coiote despencar de desfiladeiros e se esborrachar lá embaixo, ao som de seu jocoso “bip-bip”. O Dick Vigarista e o Tião Gavião raptavam a Penélope Charmosa, amarravam a loira e ameaçavam retalhá-la ao meio em uma serra-fita. Os Três Patetas davam murros na cabeça uns dos outros. E a gente ria, ria, ria.

O que me intriga é que nem por isso eu, minha irmã, meus primos, coleguinhas e amiguinhos, nos tornamos assassinos, parricidas, latrocidas, serial killers, psicopatas, sociopatas (ao menos, até onde eu tenha notícia). Talvez porque, apesar da violência observada na ficção, tivéssemos em casa e na escola uma educação presente e atenta de quem era responsável por nossa formação. Talvez nisso resida a chave simples para explicar muita coisa que vira notícia ruim nos dias de hoje.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de agosto de 2013)

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