segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Uma autodisputa

Foi numas férias dessas em que veraneávamos em alguma prainha de nosso litoral gaúcho, quando decidimos passar o dia em um desses parques aquáticos repletos de piscinas, escorregadores, crianças molhadas, senhoras de maiôs cintilantes, quiosques de lanches, brinquedos e mosquitos. A esposa, com sua peculiar alma de sereia, migrava de piscina para piscina, experimentando a térmica, a coberta, a fria ao ar ao livre, a das crianças, a maior, a menor, a funda, a com ondas, a rasa...
Já eu, aquela coisa de sempre, ocupava-me prioritariamente em perseguir, obstinado, a trajetória da sombra por entre árvores, bancos e quiosques, nos quais pudesse ler de forma razoavelmente confortável os livros, jornais e revistas que levara junto, obviamente que determinado a sair daquele parque, ao final do dia, tão seco quanto entrara, tão alvo quanto ao pular da cama de manhã cedo. Mas tudo mudou quando nos deparamos com a pista de kart. “Oba, uma pista de kart! Sempre quis andar de kart, e não tem ninguém! Só nós! Vamos lá!”, gritei, tão adolescentemente e tão entusiasmado que a esposa não teve como me privar da realização daquele desejo.
Fomos lá. Compramos os tíquetes que davam direito a três voltas na pista, colocamos os capacetes e sentamos cada um em seu respectivo kart, já ligados e dispostos lado a lado na posição de largada. À nossa frente, em pé entre os dois bólidos, o funcionário do parque explicava as regras da disputa: “Vocês só podem sair quando eu disser ‘já’”... e foi ele dizer aquele “já” explicativo que minha esposa não teve dúvidas: meteu fundo o pé e arrancou na minha frente, me deixando ali, abobado, olhando para o funcionário e vendo ela vencer já a segunda curva, voando as loiras tranças. “Bom, agora vai”, disse-me ele, tão pasmo quanto eu. Aí arranquei.
Ultrapassá-la se transformou em questão de honra e consegui fazê-lo ainda na metade da segunda volta, em um lance bem ousado que outro dia chamo Reginaldo Leme para me ajudar a detalhar aos leitores. O fato é que, apesar da queimada que ela deu na largada, venci a prova, ora bolas, o que é que ela estava pensando. Ruim mesmo é que ela achou a brincadeira sem graça. Não percebeu que saiu antes do que devia e que minha ultrapassagem fora uma prova de superação e habilidade. Deu de ombros para aquilo tudo e retornou para uma das piscinas. Eu havia disputado sozinho...

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 12 de agosto de 2013)

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