quarta-feira, 30 de julho de 2014

O guacamole impossível

Assim como nossas qualidades, também nossas incompetências vão se revelando a conta-gotas ao longo de nossas existências. Para que surjam e se apresentem, é preciso vivenciar experiências diferentes e surpreendentes de vez em quando, que vão fazer despertar em nós as habilidades ou as inabilidades.
Sim, porque, por exemplo, não tem como saber se você possui competência para pilotar um caça ultramoderno da Força Aérea Brasileira sem antes assentar-se dentro da cabine de um desses aparelhos, colocar o cinto de segurança, arrumar o espelho retrovisor e ligar a chave da ignição. O que é, meu senhor? Como? Caças não possuem chave de ignição e espelho retrovisor coisíssima nenhuma? Pois então, viu? Melhor eu passar bem longe de um caça ultramoderno da Força Aérea Brasileira (depois vou olhar no google... eu jurava que tinham, sim, chaves de ignição, duvido que façam essas coisas pegarem voo no tranco; e sem espelho, como é que vão saber que vem avião inimigo por trás, mas enfim...).
Mas quero falar de abacates. Eu descobri, por sucessivos malogros próprios, que sou portador de incompetência crônica no quesito “detectar se o abacate está no ponto certo para ser consumido”, ou seja, se está devidamente maduro para ser devorado in natura, ou para servir de base crucial para a produção de um delicioso guacamole ou ainda para mergulhar no liquidificador e transformar-se em um irresistível mousse com leite condensado. Tenho competência extremada para preparar guacamoles e mousses de abacate, porém, minha destreza para identificar um abacate maduro é igual a zero.
Eu primeiro faço contato visual com a fruta adormecida ali no cestinho, em casa. Daí, me aproximo devagar, sem assustá-la, e apalpo delicadamente sua casca com as pontas de alguns dedos, imaginando que, com a sensação causada pelo toque, serei capaz de identificar o grau de maturidade da fruta e, via de regra, erro. Se acho que está maduro, decepo o abacate pelo meio e pá: lá está ele, duríssimo e verde, imprestável para o consumo. Se acho que agora está no ponto, epa: dormi na palha e o abacate está podre, rumando direto para o lixo orgânico. No que se refere a abacates, tateio no escuro.
Não tenho essa competência. Desisto. Melhor é me resignar a comer guacamole e mousse de abacate na casa dos outros. Convites para este e-mail...

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de julho de 2014)

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