sexta-feira, 11 de julho de 2014

Quero um clone

Fiquei muito feliz algumas décadas atrás (mais precisamente em 1996), quando o mundo foi surpreendido pela notícia de que cientistas britânicos haviam conseguido clonar uma ovelha, a Dolly, abrindo caminho para o que fascinante mundo da clonagem saísse da ficção científica e invadisse a realidade. Crédulo e otimista como sou, fiquei imediatamente convencido de que seria apenas uma questão de poucos anos para que pudéssemos sair clonando a nós mesmos e já fui guardando dinheiro para entrar na fila da clonagem, ávido por povoar meu roupeiro com meia dúzia de Marcos-Clones, prontos a serem utilizados para as mais variadas (e chatas e difíceis) tarefas.
Bom, não foi o que aconteceu, como todos sabemos, e ainda sou eu mesmo, o Marcos original, quem tem de sair da cama de manhã cedinho para trabalhar e me enfiar nu sob o chuveiro para banhar-me nesses gélidos dias serranos. Enquanto a água se choca contra minha pele, não consigo deixar de sonhar com aquele mundo que imaginei, quase 20 anos atrás, em que poderia dar ordens ao meu clone, tipo: “ô clone, vai tomar banho, meu!”, e o clone iria, toc-toc-toc, tomar banho por mim, sem reclamar. À medida que o clone se lavasse, eu, o original iria ficando automaticamente limpinho. Sim, porque, se é para sonhar, que se sonhe direito: tudo o que acontecesse com o clone, deveria ter reflexos diretos no original.
Isso seria uma mão na roda na questão da leitura dos tantos livros que tenho para ler, por exemplo. Eu enfileiraria três clones meus (sim, eu teria uma horta repleta de clones) sentadinhos no sofá da sala, enfiaria um livro nas fuças de cada um e daria as ordens: “Clone 1, leia ‘Os Sertões’, do Euclides da Cunha; Clone 2, manda bala na ‘Montanha Mágica’, do Thomas Mann; Clone 3, devore ‘Ulisses’, do James Joyce. E não ousem pular uma página sequer, que estou de olho”. Eles iriam lendo e eu iria absorvendo. Que maravilha!

Claro, de vez em quando, seria necessário tirar o clone do armário para que não pegasse mofo e também para leva-lo a passear no parque, comprar-lhe um sorvete, fazer-lhe um agrado. Seria preciso estar de bem com os clones, para que eles não se revoltassem. Aliás, “A Revolta dos Clones” seria um ótimo roteiro de filme. “Ô, Clonão, encaminha o registro da ideia e descobre os telefones de Hollywood”. Opa, não há clone algum. Bom, bom, deixemos de viagens e vamos ao banho, fazer o quê.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de julgo de 2014)

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