sexta-feira, 26 de junho de 2015

Antes só do que com o Braga

Segunda-feira à tarde tenho consulta médica, está marcado na agenda. Se está marcado na agenda, acredito. Acredito e cumpro. Afinal, sou bom soldado, não ouso me insubordinar contra os ditames apontados em minha agenda, até porque conheço muito bem a identidade de quem ali os lança: eu mesmo. Acredito em mim. É o mínimo que posso esperar de mim mesmo em relação a mim mesmo porque, se eu não acreditar em mim, quem o fará?
Segunda à tarde, portanto, consulta médica. É preciso me preparar. Não sou daqueles que chegam a uma consulta médica como quem vai passear no parque. São coisas bem diferentes entre si, uma consulta médica e um passeio no parque. Até porque, às vezes, a possibilidade de seguir exercitando a segunda depende do bom andamento da primeira. Não é o meu caso, a consulta é simples, prosaica até, de caráter preventivo. Mesmo assim, segue sendo uma consulta médica, e requer alguns preparativos.
Entre eles, um muito importante, decorrente do fato de que terei de aguardar longos minutos na sala de espera, que justamente possui esse nome porque ali espera-se. Às vezes, espera-se pacientemente muito, nós, os pacientes, que precisamos saber exercitar a paciência. Sabedor que sei de que esperarei, preciso decidir qual dos dois livros que estou lendo concomitantemente deverei levar junto, a fim de ler algumas páginas ao longo da espera na dita sala: o romance de autoria do escritor português José Saramago ou a coletânea de crônicas do brasileiro Rubem Braga? Dúvida cruel, ambos me fascinam e, tenho certeza, seriam ótima companhia no asséptico ambiente da sala de espera que por mim espera.

Decido ler algumas páginas de cada um deles, a fim de facilitar a escolha. Pego as crônicas do Braga e ponho-me a ler no sofá da sala. Três páginas, apenas, o texto. Porém, já no segundo parágrafo, não consigo segurar e ponho-me a rir desbragadamente, que é como se ri assim solto e feliz quando se lê uma crônica bem-humorada do Rubem Braga. Termino a leitura enxugando lágrimas de riso. É, está decidido: quem vai comigo ao médico é o Saramago. Não posso correr o risco de, em levando o Braga, sair dali amarrado em camisa-de-força. Tem escritor que só dá para ler escondido.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de junho de 2015)

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