segunda-feira, 29 de junho de 2015

História de pescador

O primeiro (e único) peixe que pesquei na vida foi uma traíra, não muito grande que me permitisse portar na bagagem da memória há décadas a minha primeira (e única) mentira de pescador, nem tão pequeno que sequer servisse para uma inocente lorota. Era uma traíra mediana, que não chegou a oferecer grande resistência ao manejo da linha e da vara – sim, pois que foi içado das águas do açude com vara de pescar e minhoca encravada no anzol – devendo pesar não mais do que dois quilos, a julgar pelo tamanho registrado em fotografia batida na época, quase quatro décadas atrás.
A foto costuma repousar discretamente em meio aos maços de fotografias antigas guardadas dentro de uma caixa de sapato e ganha renovado sopro de vida sempre que recebe um novo olhar a cada nova incursão nostálgica que empreendo ao baú de guardados, sazonalmente, quando sou acossado pelos ventos da saudade do passado. Estou eu ali, na altura de meus então dez anos, magricela e branquela, cabelo loiro (loiro e farto, ah, os dez anos), sustentando ao alto no braço direito a linha em cuja extremidade balança a presa aquática que posa inerte para a foto, ainda agarrada à isca. A julgar pelo cenário às minhas costas, o feito se deu na fazenda que meu pai tinha em sociedade com meus dois avós, no interior de São Borja.
Não fosse a foto, que eterniza o fato com parcela da verdade, haveria o risco de a tal pescaria ter se esvaído de minha biografia pessoal. Sim, porque, da memória real, ela já se esvaiu há muitos anos, e não sobra registro algum. Sei que pesquei a traíra, pois que tenho a foto para provar a quem quer que duvide de minhas antigas habilidades pescatórias. Mas nada recordo do episódio por conta própria: nem da ocasião, nem da emoção de sentir a linha sendo fisgada, tampouco da crueza da batalha para extirpar do rio ou do açude a presa.

Pesquei, é verdade, mas o sabor do evento não me transformou em pescador, o que me impede de celebrar com autoridade este 29 de junho, Dia do Pescador. Fosse o Dia da Mentira, poderia eu aqui inventar alguma e passava. Mas em se tratando de pescadores, só posso narrar uma verdade singela, uma vez que me transformei em um mero pescador de histórias.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de junho de 2015)

Nenhum comentário: