terça-feira, 9 de junho de 2015

Mordida na lua crescente

Nunca é muito tarde para aprender e nunca se é velho demais para absorver uma nova informação que possa vir a colorir um pouco mais a vida, trazer um pingo novo de poesia aos pequenos atos do cotidiano. E por mais obtuso que se possa ser, sempre haverá a possibilidade de, em um súbito lampejo, as pesadas comportas de aço da inteligência se abrirem em seu cérebro para deixar esgueirar-se uma réstia de luz que lhe iluminará uma compreensão reveladora. Uso a mim mesmo como exemplo para comprovar todas essas teses, uma vez que já sou bem vivido em anos e cultivo lá as minhas diversas obtusices (existe “obtusices”, no sentido de conjunto de ideias obtusas, será?).
Vamos ao exemplo. Um exemplo prosaico, sutil, decorrente dessas tais pequenas insignificâncias do cotidiano que tão bem servem às demandas de um cronista diário, como não poderia deixar de ser, já que usarei a mim próprio de exemplo, conforme acertado com o leitor em linhas anteriores (eu queria me pavonear um pouco e escrever “em supracitadas linhas”, mas como não sei se, na paginação do texto na folha impressa do jornal, as tais linhas ficarão realmente acima destas ou na colunagem ao lado, evitei de fazê-lo e tasquei mesmo um singelo “linhas anteriores”, bem menos poético mas mais verossímil). Mas voltando a mim mesmo e deixando de lado as intercalações, quero tratar de croissants. No próximo parágrafo, a revelação, pois que este já se estende em demasia de linhas.
Eu, que não sei nada de francês além de “merci”, mesmo assim adoro saborear um delicioso croissant, e devoro-os de vez em quando sem saber exatamente o que estou comendo. “Ora, você está comendo um croissant”, me dirá a atilada leitora. Sim, é verdade, mas ontem descobri que o recheio é mais embaixo, e bem mais poético do que meramente isso. Descobri, depois de velho e sempre obtuso, que a palavra “croissant” significa “crescente” em francês, tendo assim batizado o acepipe devido a seu formatinho de lua crescente (a pista residia na vizinhança latino-americana, onde o mesmo acepipe se chama “media luna”, asno desatento que sou). Agora, folheado que estou de conhecimento, nunca mais saborearei um croissant da mesma forma que antes. Agora, faço-o com muito mais poesia a cada mordida, pleno daquela poesia sutil que emana da lua. O conhecimento, mesmo que tardio, sempre é transformador.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 9 de junho de 2015)

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