segunda-feira, 22 de junho de 2015

Negociação climática

Eis que então, no final de semana, chegou o inverno. Lá em casa, no entanto, ele já havia aparecido alguns dias antes da data oficial em que todos o esperavam. Não sei se minha esposa deu cópia da chave para ele ou se entrou sorrateiro pela porta entreaberta na tarde em que a faxineira veio fazer a limpeza do apartamento, já nas despedidas do outono. O fato é que, quando nos demos por conta, ele estava instalado, sem aviso ou cerimônias, como se fosse da casa, e foi ficando.
Quando uma visita inesperada chega assim, de supetão, é preciso você se adaptar a ela, para não ser indelicado. Com o passar do tempo, aprendi que não vale a pena assumir uma postura belicosa ou mesmo de amargor e confronto para com as facetas do clima, apareça ele em sua casa travestido de inverno, de verão, de primavera ou outono, e o melhor mesmo é aceitá-lo na forma como ele vem e encontrar meios de fazer com que a estada – normalmente longa, de três meses ao ano – seja o mais harmoniosa possível. Dos quatro visitantes sazonais, o mais difícil de lidar é justamente o inverno, que nos exige doses maiores de paciência, compreensão e adaptabilidade. Já estamos até meio que acostumados.
Só que dessa vez ele chegou em hora imprópria, ao antecipar em alguns dias inesperados a sua aparição lá por casa. Os cobertores tiveram de ser desencaixotados às pressas, as luvas e os chinelos de pano idem, as estufas para aquecer o banheiro na hora do banho foram resgatadas e a lareira da sala foi arrancada de sua hibernação e meio que teve de pegar no tranco. A cafeteira passou a trabalhar em turno dobrado e aquele vinho que há tempos rolava intocado levou um susto ao ser transformado de súbito em panela de quentão, pois que minha esposa fez aparecer, por mágica, acredito, alguns cravinhos-da-índia de dentro da despensa.

Como ele chegou este ano alguns dias mais cedo, já estou em negociações para que, a título de contrapartida, encurte sua estada e deixe lugar para a vinda da primavera alguns dias antes do oficial 23 de setembro. Primavera já enviou e-mail dizendo que topa. Quanto ao inverno, vamos ver, mas está meio difícil de quebrar o gelo e arrancar promessas de sua postura glacial...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de junho de 2015)

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