quinta-feira, 17 de abril de 2014

A agulha invasora

Ontem compartilhei aqui um episódio bizarro acontecido anos atrás, envolvendo minha avó paterna, que engoliu a aliança de pedido de casamento em uma romântica taça de espumante preparada cuidadosamente por meu avô, em um jantar. Narrei o fato com a intenção de, nas entrelinhas, demonstrar que, apesar do incidente, o pedido foi aceito, eles casaram, tiveram filhos, netos e bisnetos, construindo uma longa vida a dois que se consolidou apesar do engasgo inicial.
O ponto para a reflexão da croniqueta consistia na percepção de que, com determinação, amor e vontade, qualquer entrave pode ser removido em favor do objetivo principal que desejamos alcançar na vida. Bonitinho, não? Afinal, uma crônica que se preze precisa pelo menos tentar proporcionar ao leitor um ponto para a reflexão, mesmo sendo moldada no tom de uma história aparentemente superficial e engraçada.
Foi por isso que invoquei a história de minha avó e suponho que tenha obtido a bênção dela de lá onde quer que ela esteja, certamente junto com meu avô, já que alianças de casamento engolidas dentro de taças de espumante devem deter um poder de união que ultrapassa o desaparecimento físico do casal de envolvidos, creio eu. Mas houve leitores que me escreveram insistindo para que eu narrasse outros episódios de minha avó engolidora de bizarrices. Cedo, então, ao apelo e libero mais um, torcendo para que ela não me venha puxar os pés de madrugada.
Já casada, de aliança devidamente estacionada no dedo, lugar que desde o início lhe era destinado pelo costume e o bom senso, minha avó teve de ir ao dentista fazer um tratamento de canal. Tratamento de canal, todos sabem, exige que se fique longos períodos com a boca aberta, aquelas agulhinhas cravadas em torno do dente, praticando a arte de engolir saliva de tempos em tempos sem fechar a boca. Numa dessas, glump, minha avó engoliu uma das agulhinhas, que estava frouxa em sua boca.
Ela sentiu a coisinha descendo pela garganta e fez um sinal ao dentista que, a princípio, não acreditava no que havia ocorrido, mas se convenceu dias depois, com a revelação das radiografias do estômago de minha avó, a engolidora. Diz ela ter passado cinco dias comendo bolas de algodão, que serviram para envolver o objeto pontiagudo e convencê-lo a sair da mesma forma como ela recuperara a aliança, anos antes.

Brincando, meu avô dizia tremer de medo sempre que um circo resolvia fazer temporada em Ijuí. Vai que estivessem precisando de engolidora de espadas e ela fugisse com o trapezista... Aqui também tem entrelinhas tá, leitores? Procurem.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de abril de 2014)

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