domingo, 27 de abril de 2014

A reflexão do Pineto

O último recenseamento oficial do IBGE, de 2010, apresenta Caxias do Sul como uma cidade de 435 mil habitantes (a estimativa para 2013 era de 465 mil). A projeção é de que o meio milhão de almas seja atingido já em 2015, porém, o ritmo alucinado da vida, detectado em cada esquina, em cada cruzamento do cenário urbano e adjacências, insiste em consolidar em todos a impressão de que esse número já é real hoje. E tudo indica que não vamos parar por aí.
Transformar-se em uma metrópole é uma vocação que já veio impressa no DNA dessa cidade desde suas origens, o que fica claro para quem quer que se debruce um pouco sobre os aspectos de sua história, desde seu surgimento, passando pelas aceleradas etapas de desenvolvimento que vêm moldando esse perfil proativo, trabalhador e pioneiro que tanto conhecemos. Mas todas as moedas possuem dois lados e o segredo do sucesso, como nos ensina há milênios a sabedoria ancestral, consiste na busca do equilíbrio entre essas duas faces. Será que estamos atentos a isso?
Essa preocupação também não é nova e permeia a atmosfera da cidade desde seus primórdios. Uma prova disso é o teor de algumas páginas do livro “Os Pesos e as Medidas”, de autoria do jornalista, escritor e tabelião caxiense Ítalo João Balen (1917 – 1981), lançado postumamente no mesmo ano de sua morte. Em dado momento da obra, Balen traz à cena o personagem Quelbel Pineto, um velho imigrante italiano que compartilha suas filosofias com o então menino Ítalo, sentado em uma venda na Caxias do final da década de 1920.
Pineto diz assim: “Sabes, filhinho, a mim me aprazaria prolongar minha vida cinquenta anos, até lá pela década de oitenta, quando o ar daqui talvez não seja o mesmo! Quando nesta cidade – digo-o eu – não se farão mais casas de madeira – porque os pinheiros já se foram todos – mas de tijolos, pedra ou só cimento; quando vocês terão, em cada canto, escolas, vias, fábricas e carros e coisas que em pensar me causam medo. E se a existência nesta nossa terra, no porvir, será inferno ou paraíso, é algo que não sei te predizer”.

Hoje, em 2014, já nos distanciamos quase quatro décadas além do cenário preocupante que o personagem Quelbel Pineto profetizou ao menino Ítalo. Inferno ou paraíso é o que construímos e estamos a moldar em Caxias? Cabe a nós, no dia a dia, definirmos para que lado desejamos que pendam os pesos e as medidas dessa nossa vida socializada de meio milhão de gentes.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de abril de 2014)

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