quinta-feira, 3 de abril de 2014

Encontro com a Salamanca

O Blau Nunes criado pela literatura elegante de João Simões Lopes Neto no início do século passado, para protagonizar sua penca de “Contos Gauchescos”, reveste-se das principais características do gaúcho típico que ceva nossa imaginação até os dias de hoje. Calado, bravo, honrado, justo, destemido, aprende com a vida e, a partir de suas próprias atitudes, transforma-se também em um protagonista de lições de sabedoria. Ao menos, para quem está aberto a sorvê-las.
Lopes Neto lança mão à bravura de seu Blau Nunes para que nos sirva de guia na temerária expedição que somos convidados a fazer penetrando os domínios da Salamanca do Jarau, a princesa/feiticeira moura transformada em salamandra (também chamada de Teiniaguá) que habita uma das furnas do Cerro do Jarau, a singular formação rochosa que virou atração turística lá em Quaraí. A aventura consta na antologia de mitos regionais que o autor reuniu em seu outro clássico, “Lendas do Sul”, recomendável a todos os que queiram fartar-se de boa leitura.
Pois, então, nossos olhos e nossas almas de leitores se botam a seguir na cola de Blau Nunes para dentro da caverna da Salamanca, uma vez que ele tem coragem de fazê-lo. Nosso herói tem conhecimento daquilo que todos dizem ser a chave para penetrar na furna, tocar na pedra preciosa que encima a testa da Teiniaguá e, então, ter realizados os seus desejos: é preciso entrar lá com “alma forte e coração sereno”. Revestindo o espírito com alma forte, o herói terá a determinação para enfrentar os desafios que lhe vão sendo impostos pelo caminho. Com o coração sereno, saberá avaliar a melhor atitude a ser tomada frente a cada um desses desafios.

Blau Nunes entra e sai da furna da Salamanca do Jarau e tem seu desejo atendido. Blau Nunes, o gaúcho de alma forte e coração sereno. Para concretizar sua façanha, ele também deu ouvidos a outro conselho: “Mas governa o pensamento e segura a língua. O pensamento dos homens é que os levanta acima do mundo, e a sua língua é que os amesquinha”. Blau Nunes, portanto, aprendeu a pensar bastante e a falar pouco. Transformava, assim, em ouro e diamante as raras palavras que lhe saíam pela boca. Bastante a ensinar esse Blau Nunes, com alma forte e coração sereno.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de abril de 2014)

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