quinta-feira, 10 de abril de 2014

O nocaute da popozuda

Tem vezes em que o hábito em mim arraigado, de procurar manter-me informado sobre o que rola mundo afora, ao invés de me proporcionar aquela sensação saudável de ser um cidadão consciente, acaba mesmo é me causando um profundo cansaço. Isso acontece naqueles dias em que minha estrutura psíquica está mais sensível ao ataque da sucessão de descalabros que nos atingem diariamente, disparados de todos os lados sem nos concederem possibilidade de defesa, o que, sabe-se bem, é um indesculpável agravante.
Hoje é um desses dias. Folheio os jornais pela internet e vou levando golpes na boca do estômago do meu bom senso até quase ir a nocaute (e não há técnico nenhum no corner preocupado com o resguardo de minha integridade, pronto para jogar no ringue a toalha e me proteger do massacre). Vou folheando e tentando encaixar um jab de esquerda que vem de Brasília, um gancho de direita desferido de Porto Alegre, um direto vindo direto de Caxias mesmo, um cruzado do exterior e por aí afora. Perco rapidamente o fôlego, baixo a guarda, os golpes continuam e nada de soar o gongo da cidadania, da seriedade, da humildade, da honestidade, da fraternidade, da tolerância, para me salvar.
Às vezes, a vontade que dá é de simplesmente desamarrar as luvas e pular sobre as cordas, fugindo do ringue no qual meus escudos se mostram impotentes. Não consegui, por exemplo, encaixar bem o cruzado direto no queixo desferido pela notícia de que a funkeira Valesca Popozuda foi retratada como “grande pensadora contemporânea” em uma prova de filosofia em uma escola pública no Distrito Federal, esta semana. O professor que elaborou a prova foi quem cometeu a barbaridade, e não algum aluno inventando resposta engraçadinha. Fui à lona.
O golpe concluiu o estrago que vinha sendo feito há tempos em minha tolerância ao absurdo, iniciado pelas declarações recentes do atorzinho global que orgulhosamente afirmou não gostar de ler e nem de assistir a peças de teatro e às do ex-presidente da República que admitiu que ler, para ele, era uma grande chatice. Frente a esses descalabros, dá vontade de fazer como dizia o mestre cronista Rubem Braga, décadas atrás, e passar a agir como se fosse “um sueco em trânsito”, e “não saber de nada, não entender uma palavra do que estão dizendo e escrevendo por aí, não ter nada a ver com nada, não se sentir responsável por nada, não ter vergonha de nada”.
Hoje, queria ser um sueco em trânsito. E, se possível, tocar fagote, como o Evandro, amigo do Braga, fazia.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de abril de 2014)

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